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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O CASO DE AMOR DA POLÍCIA COM A GRANDE MÍDIA

texto e fotos: repórter de campo absurdosturos


Quem tem ido às ruas participar de manifestações – e não apenas acompanhado pela televisão – sabe que a tônica da ação policial tem sido a repressão da população de maneira generalizada, mediante o uso de bombas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral (que ferem com seus estilhaços), spray de pimenta, armas de choque elétrico (tasers), tiros de borracha (atualmente suspensos), de paintball (em vigor) e até mesmo de armas de fogo letais. Lembremos que foi a ação violenta das forças policiais contra manifestantes e jornalistas no dia 13 de junho, em São Paulo, que sensibilizou setores da sociedade até então descolados da agenda de reivindicações propostas pelo Movimento Passe Livre, culminando nas centenas de passeatas que levaram milhões às ruas do país nas chamadas “jornadas de junho”. Foi também a violência policial – desta vez contra professores da rede municipal, que foram escorraçados da câmara de vereadores do Rio de Janeiro no último sábado de setembro – que levou de volta às ruas do centro do Rio e de São Paulo dezenas de milhares de manifestantes no início do mês de outubro.


No entanto, ao contrário do que se viu na capital paulista na semana passada, quem esperava encontrar a presença maciça de policiais no centro do Rio de Janeiro durante a manifestação do dia 7 de outubro se surpreendeu. A tímida linha de policiais na Avenida Rio Branco (vide a foto acima)  e o destacamento da PMERJ em frente ao quartel-general da corporação, há cerca de 200 metros da câmara, já mostravam que a tática da polícia havia mudado. O distanciamento e a falta de reação da polícia abriram espaço para que a parede de pedra da câmara fosse coberta com frases de efeito dos manifestantes. De trás dos portões de ferro da câmara, a polícia esvaziou um extintor (?) em cima dos manifestantes, e a partir daí o que se viu foi um espetáculo pirotécnico, com coquetéis molotov, rojões e morteiros sendo lançados pelos manifestantes na porta e nas janelas da câmara. Novamente, a polícia pareceu não querer agir, e só depois de muito tempo fez o que vem fazendo: dispersou a população com uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo.




Parte dos manifestantes recuou para a avenida Rio Branco, onde houve investidas contra agências bancárias, orelhões, pontos de ônibus e até contra o clube militar. Em um dado momento, um ônibus foi interceptado, esvaziado, atravessado na principal avenida do centro e queimado. E tudo isso sem qualquer intervenção da polícia. Esta só daria as caras mais tarde, com o hábito contumaz de perseguir manifestantes pelas ruas da Lapa, da Glória, do Bairro de Fátima, de Santa Teresa. Tal perseguição, convém lembrar, havia sido feita pela primeira vez após a grande passeata do dia 20 de junho, na qual manifestantes depredaram o prédio da Alerj sem que houvesse qualquer reação por parte das forças de segurança. Essa não intervenção da polícia caiu como uma luva para a velha mídia, que “infiltrou-se” nas manifestações – uso aqui o jargão nativo desses veículos de comunicação, que repetem como um mantra a frase “mascarados infiltrados nas manifestações” ao mesmo tempo em que enviam às ruas repórteres “descaracterizados”, que valem-se do anonimato das multidões para produzir imagens da “baderna” dos “vândalos” e, com isso, reforçam o proselitismo que sustentará, com imagens, o mantra supracitado.


Qualquer semelhança com o ocorrido no bairro do Leblon durante o Ocupa Cabral não é mera coincidência: quem esteve lá no dia 17 de julho viu que a polícia decidiu não agir, deixando que barricadas de fogo fossem feitas e agências bancárias fossem quebradas. Ao ver a situação caótica do bairro, convenientemente explorada com imagens nos telejornais, os moradores do bairro de classe alta logo posicionaram-se contra aqueles “vândalos” que promoveram tais atos de destruição. Antes do ato em questão, havia sido realizada uma reunião entre o comando da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o secretário estadual de direitos humanos e representantes de entidades como OAB, Anistia Internacional e Defensoria Pública. O resultado dessa reunião foi um acordo para que a polícia reduzisse seu efetivo e o uso ostensivo de armamento não letal. Segundo alguns jornalistas independentes e manifestantes, uma fonte anônima descrita como “extremamente confiável” contou que “a PMERJ vai tolerar, temporariamente, atos de vandalismo, com objetivo de jogar a opinião pública contra os manifestantes”.


Aliada à estratégia de infiltrar policiais à paisana (P2) com o objetivo de incitar depredações, a tática de “tolerância” da polícia parece funcionar muito bem, principalmente porque conta com o apoio da cobertura midiática feita por veículos de comunicação de massa, que têm papel fundamental na formação da opinião pública. Com o endosso desta última, a polícia, na noite de terça, dobrou seu efetivo, partiu para cima dos manifestantes, desfez o acampamento do Ocupa Câmara (que havia completado dois meses no fim de semana) e deteve quase 200 pessoas. Várias dessas pessoas estavam apenas sentadas na escadaria da câmara, protegendo-se do festival de gás lacrimogêneo produzido pela própria polícia. Ainda assim, muitos foram enquadrados na obtusa lei de organização criminosa, conforme fora anunciado na semana passada – não por acaso, logo após a manifestação em que ocorreram depredações sem qualquer repressão das forças de segurança. Também não é acaso a manchete do jornal O Globo do dia seguinte às prisões em massa: “lei mais dura leva 70 vândalos para presídios”. Parece óbvio que o casamento da tática policial com a cobertura televisiva das manifestações produz, como fruto de tal união marital, uma opinião pública infantilizada, uma espécie de criança pura e frágil que, imersa na ignorância promovida pela mãe mídia, aceita a ação repressora do pai polícia.

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