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terça-feira, 8 de outubro de 2013

ICONOCLASTIA E RESISTÊNCIA: NOITE DE PROTESTOS NO RIO DE JANEIRO

Repórter de Campo Ida Bel.

O ato público realizado nesta segunda-feira em apoio à greve dos professores da rede municipal de ensino público terminou em um ataque popular ao prédio da Câmara dos Vereadores, em retaliação à forte repressão policial evidenciada nos atos da semana anterior e à aprovação do plano de cargos e salários proposto pela secretaria de educação do governo Eduardo Paes. Dezenas de milhares de pessoas concentraram-se na Candelária e seguiram pela Avenida Rio Branco até a Cinelândia, trazendo também às ruas outras pautas como a violência policial, a precariedade da saúde pública, greve dos bancários, remoções arbitrárias e genocídio indígena.

Muitos manifestantes, inclusive professores, idosos e crianças, vestiram mascaras de gás, capacetes e óculos de proteção, precavendo-se contra o uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta por parte da polícia. Outros cobriram seus rostos com panos e camisetas em protesto contra a proposta de lei que visa a criminalizar o uso de máscaras em manifestações. No ato público de ontem, um elevado número de jovens aderiu à indumentária e tática Black Bloc, trajando máscaras e roupas pretas, engajando-se em gestos iconoclastas de ataque a imagens do poder político e econômico – o que eles chamam de “ação direta” e a imprensa de “vandalismo” – e resistindo à ação da polícia.

O ato seguiu pacificamente até a Cinelândia, até que milhares de manifestantes aglomeraram-se nas imediações da Câmara dos Vereadores e promoveram a depredação da lateral do prédio, na Rua Evaristo da Veiga, onde também foram atingidos agências bancárias, lixeiras e pontos de ônibus.  Enquanto policiais do Grupamento de Policiamento de Proximidade de Multidões (GPPM) – apelidados de alfa-numéricos – mantinham-se em formação a cerca de 100m da câmara, manifestantes picharam a fachada do edifício e quebraram as vidraças de janelas e portas com pedras, lançando morteiros e coquetéis molotov para o interior. Um grupo menor de rapazes explodiu bombas e jogou pedras na lateral oposta do prédio. Após cerca de trinta minutos assistindo à “ação direta” dos manifestantes, policiais começaram a dispersar a multidão com o apoio da tropa de Choque, lançando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e gás de pimenta. Houve correria e muitas pessoas passaram mal com o efeito do gás.

Após a dispersão, os adeptos da tática Black Bloc espalharam-se pelo centro da cidade em grupos menores, destruindo uma série de agências bancárias, formando barricadas com sacos de lixo, fogueiras e ateando fogo em um ônibus para bloquear a rua e impedir a passagem da polícia. Chegaram inclusive a lançar pedras e coquetéis molotov contra o consulado americano. Iniciou-se uma intensa perseguição policial aos manifestantes pelos bairros do Centro, Lapa e Glória e, mais uma vez, a polícia lançou bombas contra todos os que se aglomeravam nas ruas, estivessem ou não praticando ataques ao patrimônio público e privado. Vídeos divulgados na internet mostraram o uso por parte da polícia de bombas de alta potência – conhecidas como “blue hell” – proibidas pela legislação nacional.

Diferentemente da postura adotada na terça-feira passada, quando a polícia cercou a Câmara dos Vereadores com grades e iniciou preventivamente um violento ataque a professores e demais manifestantes para garantir que não atrapalhassem a votação do plano de cargos e salários, desta vez a polícia optou por manter-se distante dos manifestantes e aguardar que depredassem bastante o prédio para só então dispersar a multidão. Nesse interstício, a massa de manifestantes agrupada na lateral da câmara vibrava em apoio à ação dos Black Bloc. Tamanha ênfase na estratégia iconoclasta de protesto – a destruição deliberada de ícones – intensificou-se devido à profunda indignação popular contra a injustificável violência policial da semana anterior e contra a atitude dos vereadores de aprovar o plano de cargos e salários sem antes debatê-lo com o sindicato dos professores.


Instalou-se na Cinelândia uma verdadeira revolta popular direcionada às instituições supostamente democráticas que vêm se recusando a ouvir as vozes da rua e representar seu eleitorado; à polícia que impõe um modelo arbitrário de ordem e cerceia o direito à livre manifestação; e à priorização do interesse de empresários pelas políticas públicas e investimentos, em detrimento aos interesses da população. Assistimos a um momento crítico para a democracia representativa, em que o poder público encontra-se diante do dilema de optar pela ampliação dos mecanismos de participação popular democrática nas decisões políticas ou recrudescer a repressão policial às manifestações, colocando em risco a legitimidade do regime político vigente.




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