jornalismo independente vinhetando

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

DOMINGO CINZENTO NUMA CIDADE VENDIDA AOS MEGAEVENTOS


Fotos e texto por Repórter de Campo Frida da Silva

A cidade já respira o ar perverso dos megaeventos. O último domingo foi marcado por ações coordenadas de propaganda, repressão e maquiagem urbana, orquestradas pela prefeitura, pelo governo do Estado e pelos patrocinadores dos eventos que a cidade receberá a partir do ano que vem.  Logo após o amanhecer cinzento, às 7h,  veio abaixo, em apenas cinco segundos,  o primeiro trecho da Perimetral, cuja demolição vai custar mais de R$ 500 milhões ­– parte de um projeto orçado em R$ 7,7 bi para a chamada "revitalização" do Porto. Enquanto prefeito, vice-governador e afins ainda comemoravam a implosão, mais de 600 homens da Polícia Militar, incluindo o Batalhão de Choque, patrulhavam a praia e revistavam frequentadores "suspeitos", para reprimir supostos "arrastões". No fim da tarde, a massa desavisada das classes média e baixa batia palmas para um show da campanha de marketing do novo uniforme da seleção brasileira, enquanto algumas dezenas de ativistas protestavam contra os gastos de mais de R$30 bi com a Copa, e outros promoviam um ato político-artístico-cultural no Ocupa Lapa.

O fim de semana foi uma pequena prova do que vem por aí em breve. Vale tudo pela "segurança" dos grandes eventos, inclusive o desrespeito aos direitos básicos dos cidadãos cariocas de ir e vir da praia, já que a polícia passa agora a revistar até os ônibus que saem de bairros da Zona Norte da cidade em direção às praias da Zona Sul, numa ação preconceituosa contra a classe trabalhadora que tem na praia seu principal local de lazer. O esquema montado para o patrulhamento da orla é uma espécie de treino das tropas para atuarem nos megaeventos, com testes de equipamentos de monitoramento por câmeras de última geração e um efetivo enorme para reprimir pequenos furtos. Furtos estes que sempre ocorreram nas praias, mas que, agora, são os vilões da vez  no cenário carioca e tornaram-se a pauta principal das políticas de segurança do Estado nas últimas semanas, com vistas à garantia de uma suposta "paz" para a circulação de turistas e atletas que visitarão as praias e ficarão hospedados em hotéis da região.

Também vale tudo para levar a cabo um projeto bilionário de maquiagem da arquitetura carioca no Porto, que vai beneficiar diversas empresas, sobretudo construtoras, as quais lucram para derrubar a Perimetral e construir um "novo" porto, e ainda somem com as tais vigas milionárias, para, provavelmente, reutilizá-las depois, cobrando da prefeitura pela compra de novas. Basta visitar algumas cidades dos EUA e da Europa para se confirmar que um viaduto não precisa vir abaixo para se ressignificar um espaço e dar novas formas de vida a ele. Mas essas outras maneiras provavelmente não iriam dar tanta margem de lucros – financeiros e políticos – aos beneficiados com tamanha ordem de investimentos.

O prefeito Eduardo Paes levou seus filhos para passearem e assistirem ao espetáculo da implosão da Perimetral, noticiada como uma obra magnífica para a zona portuária da cidade. Paes deu entrevistas afirmando que a "Perimetral é o maior símbolo da degradação do Rio", quando os verdadeiros símbolos de uma cidade degradada são as emergências lotadas de hospitais públicos, onde pessoas acabam falecendo por falta de assistência médica anterior aos problemas mais graves; são as vielas de favelas com esgoto à céu aberto e lixo acumulado; são os corpos de vítimas da violência do Estado que se empilham nos IMLs; são as escolas malconservadas e com ares de sauna no calor carioca; são os mal-tratos diários que os trabalhadores sofrem ao pegarem diariamente barcas, trens, metrôs e ônibus sucateados, lotados e caros; são as prisões indignas e lotadas de presos políticos, negros, pardos, moradores de comunidades, esquecidos pela Justiça e pela sociedade.

Para fechar com chave de ouro esse domingo sombrio, milhares de pessoas curtiram cegamente o show, no Aterro do Flamengo, de celebridades da indústria cultural brasileira pagas pelos patrocinadores da Copa 2014. Era o lançamento da camisa nova da seleção e as pessoas que ali estavam sequer tinham informações mínimas para questionar com os mais de R$ 30 bi para a Copa mais cara da história – em segundo lugar vem a da Alemanha, que custou R$ 10,7 bi. Pulavam com seus corpos dóceis na onda cega da euforia da Copa. E olhavam com ares de incompreensão para os cartazes e faixas dos ativistas que ali estiveram para protestar contra a "sujeira da Copa das empreiteiras".

Faixas com os dizeres "Fifa go home" e "Copa pra quem?" foram penduradas nas grades laterais do palco, e manifestantes circularam entre a multidão com cartazes que pediam mais investimentos na saúde e na educação. Dezenas de ativistas permaneceram próximos à frente do palco, cercados por muitos PMs, e cantavam, entre uma música e outra dos shows, gritos de protesto, como "Não vai ter Copa!" e "Da Copa, da Copa, da Copa eu abro mão! Eu quero mais dinheiro pra saúde e educação". Ativistas mascarados eram seguidamente parados pelos policiais, que solicitavam a identidade e a retirada de máscaras e panos dos rostos.

Foto de divulgação Ocupa Lapa
 Perto dali, sob os Arcos da Lapa, ativistas e artistas promoviam, mesmo debaixo de chuva, a manifestação artística-política-cultural do Ocupa Lapa. No Face Rua - Roda Social, os participantes debateram sobre um outro projeto de cidade. Não este projeto empreendido no domingo cinzento e voltado exclusivamente para os megaeventos, com a implosão da perimetral, o patrulhamento preconceituoso das massas populares na praia e o amaciamento das massas com shows de celebridades pagos pelos patrocinadores. Debatiam na rua um projeto de um Rio mais holístico, menos opressor, mais digno, mais justo, mais igual, mais saudável, mais educado, com mais investimentos voltados para as necessidades básicas da população, e, principalmente, menos violento. Sobre este projeto de cidade, paira a nebulosidade dos megaeventos e dos políticos e empresas que lucram através deles.

sábado, 9 de novembro de 2013

GREVE DE FOME PELA ANISTIA DOS PRESOS POLÍTICOS


Por Repórter de Campo Frida da Silva

Foto por Tomás Camargo - Voz das Ruas
Amordaçado, acorrentado, preso, indignado, revoltado. Assim se sentiu A., 25 anos, diante da continuidade das prisões dos manifestantes Baiano e Rafael, ambos vítimas da arbitrariedade da polícia e da inércia da Justiça. Desesperado por chamar a atenção das autoridades para os casos dos dois presos políticos, A. e um amigo, A2, de 28 anos, resolveram doar seus corpos à luta pela anistia dos presos e entraram em greve de fome. Com as mãos algemadas e presas a postes, na Cinelândia, os dois jovens deixaram de comer, às 16 horas de quinta-feira, e acorrentaram-se em frente à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, onde participaram do movimento Ocupa Câmara, por mais de dois meses.
Na madrugada de quinta-feira, integrantes do Ocupa haviam reinstalado duas barracas em frente à Casa Legislativa, num movimento de reocupação que terminou com uma ação violenta da Guarda Municipal e a detenção de duas pessoas, dentre elas, A.. Liberado da delegacia, A. voltou às escadarias da Câmara – onde permanecem integrantes do Ocupa – e decidiu radicalizar na forma de protesto, entrando em jejum, junto com seu companheiro de militância.
"Eu tô aqui acorrentado, algemado, em greve de fome, porque estou exigindo que os presos políticos sejam anistiados. Legalmente, não tem como mantê-los presos (...) A gente não estava se sentindo livre para se manifestar aqui na Câmara. Na falta de uma pressão, achei que o caso do Baiano e do Rafael estava ficando no esquecimento. Tô indignado com essa situação e com a injustiça que fizeram com o Baiano", explicou A. – inicial esta que remete a Amarildo, pois ambos os ativistas identificaram-se como sendo Amarildos.
Às 16h desta sexta-feira, quando se completaram as primeiras 24 horas da greve de fome, diversas pessoas deram as mãos e fizeram um cordão de solidariedade, na largura da fachada da Câmara, conectando os dois jovens acorrentados e chamando a atenção de quem passava pelo local. Ao longo de todo o dia, os dois ativistas receberam o apoio de amigos, outros manifestantes, mídia-ativistas e cidadãos que passavam pela Cinelândia e se interessavam em compreender o protesto. Cartazes foram pintados e água e soro fisiológico foram doados.
Apesar de dizerem que sentiam-se bem fisicamente, aos poucos, os rostos de A. e A2 transpareciam cansaço, em um dia de sol e calor no Centro. Conhecidos lhes serviam pequenas doses de soro, entre conversas e entrevistas a mídias independentes. Mais cedo, ambos foram revistados pela PM, que chegou a indagar se A. estava armado. Segundo os ativistas, a Guarda Municipal não permitiu que eles dormissem durante o dia, nem armassem nenhum tipo de barraca ou guarda-sol para proteção.
"Vou continuar aqui até chegar no meu limite ou até eles saírem da prisão", declarou A2, estudante de engenharia civil. Ao receber o apoio de mídia-ativistas, comentou: "É mais importante esse apoio dos movimentos sociais do que o que a gente está fazendo aqui".
Um dos momentos mais emocionantes da tarde de protesto foi a leitura de um poema escrito por um militante de 64 anos, que revelou ter feito greve de fome, em 1978, quando fazia parte do DCE da UFF e teve diversos de seus companheiros de luta presos. "Escrevi esse poema de madrugada, para vocês", explicou o senhor, autor do "Black Poema" e manifestante presente nos protestos recentes no Rio. A leitura emocionada do texto arrancou lágrimas de A. e deixou muitos ali comovidos com o gesto de solidariedade e carinho.

Integrantes do Ocupa permanecem nas escadarias do Palácio Pedro Ernesto e promoverão hoje o Viradão Político e Cultural do Ocupa, com intervenções artísticas, conversas, yoga, oficina, filme e música. O evento começou pela manhã e só terminará amanhã, com uma sessão de Vândalo Fitness com o artista e videomaker Rafucko, discussão com integrantes do Favela Não se Cala e ensaio do Black Bloco.  (Evento: https://www.facebook.com/events/1427654314116011/ )



quarta-feira, 6 de novembro de 2013

OCUPA CÂMARA RESISTE


Texto: Repórter de Campo Lígia Maria
        Fotos: Diogo da Fonseca

 Já passava da uma da manhã do dia 6 de novembro quando se soube que haveria uma nova tentativa de ocupação do espaço em frente à Câmara Municipal do Rio, na Cinelândia, durante a madrugada. O ato tinha como objetivo a reocupação permanente do local, mas três horas depois as duas únicas barracas já haviam sido destruídas pela guarda municipal e dois dos ocupantes detidos. Há alguma novidade na sequência dos fatos? Não. Nenhuma. No entanto, a forma cada vez mais intransigente com a qual o Estado tem reagido às ocupações do espaço público tem muito a dizer.
O Ocupa Câmara, que inicialmente se instalou ali durante a votação da CPI dos Ônibus, em agosto desse ano, transformou-se num local de discussão política durante pouco mais de dois meses: debates, palestras, Assembleias Populares, intervenções culturais e, como não poderia deixar de ser, exibição de filmes, ocorriam ali diariamente. Em 15 de outubro, durante uma manifestação, a ocupação foi violentamente destruída pela forte repressão do Estado e uma parte de seus integrantes presa. No dia seguinte o rosto de três deles estava estampado na capa do Jornal O Globo, sem que qualquer acusação tivesse sido formalizada. A imputação do crime, o julgamento e a condenação foram feitas instantaneamente pela mídia corporativa. Há 20 dias Baiano está preso. Ele é o único manifestante – de um total de mais de sessenta presos – que ainda permanece no presídio em Bangu. Seu crime é estar à margem da sociedade. Sem teto e sem documentos, todos os pedidos de habeas corpus foram negados, apesar dos esforços dos advogados ativistas empenhados em reverter essa arbitrariedade.
Baiano, no entanto, não está sozinho. Rafael é morador de rua e também está preso desde a manifestação de 20 de junho. De acordo com informações da página do “Rio na Rua”, ele foi detido em uma loja arrombada anteriormente na rua do Lavradio. No momento da detenção, ele portava vassoura e duas garrafas plásticas contendo material de limpeza e água sanitária. Cumprindo ordens expressas da chefe de polícia do Rio, delegada Martha Rocha, os policiais militares encaminharam Rafael para a 5ª DP e o acusaram de portar duas garrafas de plástico com material inflamável que aparentavam ser coquetéis molotovs, muito embora coquetéis molotov só possam ser feitos com garrafas de vidro. Rafael afirmou que não estava no protesto e que, no momento da abordagem policial, apenas retirava as duas garrafas da loja abandonada onde dormia. Rafael foi incriminado sem provas. Assim como Baiano, é um preso político.
“Como ficar calado diante disso?” – se perguntavam os meninos e meninas do Ocupa Câmara durante a tentativa de reocupação desta madrugada. “Essa precisa ser nossa primeira pauta: Anistia dos presos políticos”. E assim começou-se a discutir na escadaria da Câmara, às três e meia da manhã, a lista de reivindicações que os levaram de volta ao lugar de onde não precisavam ter saído. Até onde se sabe, “ocupação de espaço público” ainda não é tipificado como crime. Muito pelo contrário. É direito constitucionalmente garantido.
A reocupação, aliás, ocorreu de forma rápida. Eram em torno de 30 pessoas, incluídos aí os midialivristas que transmitiam tudo ao vivo pelo twittcasting. As duas barracas foram montadas na rua de trás e levadas para frente da Câmara, sob a observação de um único carro da PM estacionado em frente ao Teatro Municipal. O policial, por sua vez, passeou por ali para verificar o que tava acontecendo e em seguida se retirou. Uma faixa foi produzida com a seguinte frase: “Ocupa Câmara Rio 2.0”. Montada a estrutura, era chegada a hora de debater. 
A pauta da anistia dos presos políticos de todo o país foi a primeira de muitas. Entre elas, o repúdio à violência do Estado, incluídos aí a violência policial, as UPPs, desmilitarização da polícia, as remoções, liberdade às manifestações etc.; a transparência das obras públicas realizadas em função dos grandes eventos; a investigação dos contratos dos transportes públicos e outras tantas. A ideia era fazer um conjunto de pautas principais e distribuir cópias aos que passassem. Politizar, resistir e ocupar.
As ocupações têm sido reprimidas duramente desde que começaram a se consolidar como forma efetiva e permanente de protesto. A polícia militar desmontou o Ocupa Cabral e o Ocupa Câmara. E não haveria de ser diferente dessa vez. Assim que o dia clareou, dois ônibus da Guarda Municipal chegaram lotados de agentes do Estado para retirar os ocupantes e desmontar o acampamento. A alegação? Obstrução do imenso espaço da Cinelândia por duas barracas de dois metros quadrados cada uma. Segundo os guardas, o direito de ir e vir dos cidadãos se sobrepunha ao direito de ocupação do espaço público requerido pelos manifestantes. Cidadãos e manifestantes figuram, portanto, como se fossem classes distintas de pessoas. A primeira, com muito custo, consegue ter algum direito. A segunda, nenhum.
Finalmente, depois de muita resistência em deixar o local por parte dos manifestantes, os guardas perderam a paciência. Arrastaram dois dos meninos até o ônibus e os levaram direto para a 5ª DP. Já estão soltos, mas fica claro que a forma pela qual as detenções vêm ocorrendo tem que ser problematizada de uma maneira mais dura. O tão questionado sistema punitivo é sempre a única opção do Estado no tratamento aos manifestantes, quando o que mais se reivindica é o diálogo e a transparência. Judiciário, Legislativo e Executivo estão juntos nessa empreitada. Tempos sombrios estão por vir, afinal de contas, a Copa do Mundo não pode ser de forma alguma atrapalhada. Até lá, os manifestantes resistem. Hoje, tanto o Ocupa Cabral – que em sua reedição se autodenomina Ocupa Leblon – quanto o “Ocupa Câmara” estão lá. Descaracterizados, obviamente, pois as barracas foram levadas e proibidas de serem instaladas novamente. As ideias, no entanto, permanecem. A repressão do Estado só as reforça.

sábado, 2 de novembro de 2013

O SILENCIOSO GRITO DE VOZES PLURAIS


Por Repórter de Campo Frida da Silva
Fotos de Lula Carvalho 

O lento compasso do surdo marcava o ritmo da caminhada silenciosa dos manifestantes na Avenida Rio Branco, com a marcha fúnebre ao fundo. Bolinhas de sabão e papéis picados voavam sobre as mais de duas mil pessoas, em gestos simbólicos de apoio ao grito amordaçado de uma pluralidade de vozes. Dos olhos de muitos, escorriam lágrimas, de dor, pelos presos políticos, pela violência do Estado, pelos mortos em favelas, pela repressão às manifestações, mas também de uma esperançosa alegria, por experimentarem a força do silêncio e por serem parte viva da construção de uma harmonia entre grupos, movimentos e coletivos, despidos ali de quaisquer preconceitos, unidos pela força das ruas.
Movimentos sociais, coletivos, mídias independentes, ativistas, presos políticos, adeptos da tática black bloc, professores, artistas, petroleiros e cidadãos compuseram nesta quinta-feira o Grito da Liberdade, um ato político-estético-cultural pela liberdade dos gritos, dos presos políticos e das manifestações. Foram mais de sete horas de protesto, desde as 15h, em frente ao Fórum, até depois das 22h, nos Arcos da Lapa, sem que nenhuma espécie de confronto entre policiais e manifestantes ocorresse. Na Cinelândia, palco dos últimos embates diretos e da repressão policial, manifestantes, incluindo mascarados, deram as costas para centenas de policiais e deixaram pacificamente as escadarias da Câmara em direção à Lapa, onde o ato encerrou-se com música, leitura do manifesto político do Grito da Liberdade (leia a íntegra abaixo), projeções e exposição de fotos.
Diante da ausência de ações diretas criminalizadas pela opinião pública como “vandalismo”, a manifestação não ganhou destaque na cobertura da mídia corporativa, que limitou-se a mencionar superficialmente a existência de um protesto sem confrontos no Centro. Mais uma vez, a mídia corporativa não deu ouvidos às vozes que ali se manifestaram, silenciando-as, violentando-as, sem querer compreendê-las, sem divulgar as nuances deste protesto silencioso, que teve ações politicas e estéticas a cada passo dado, com uma pauta de reivindicações reunida em forma de manifesto, assinado por mais de 50 coletivos e grupos.

Nada disso é relevante a corporações que endossam a criminalização dos manifestantes, vandalizando-os, visando ao esvaziamento dos protestos e à "limpeza" das ruas, para que a imagem da cidade saia bem nas fotos dos megaeventos. Em uma das faixas carregadas no protesto, lia-se:  "Globo é ditadura. Jornalismo vandalismo". O manifesto do Grito também chamou a atenção para o monopólio da mídia, pedindo a democratização dos meios de comunicação e a "aprovação integral do Marco Civil da Internet, com exclusão do parágrafo 2º do Artigo 15".

Na concentração do ato, em frente ao Fórum, manifestantes confeccionaram cartazes de protesto, pintaram camisas com a frase "Não tem arrego", distribuíram mordaças aos participantes e leram o manifesto assinado pelos coletivos, cujas pautas incluíam a liberdade e anistia dos presos políticos, a desmilitarização da PM e o fim da violência policial. Caixas pretas do grupo de artistas plásticos Alalaô foram montadas e empilhadas em frente ao Tribunal. Nelas, foram colados cartazes de "Procura-se" com as fotos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes. O grupo de percussão BlocAto tocou, desde a concentração até o fim do ato, marchinhas de protesto e versões de músicas famosas, como “Cabral, queria que você! Cabral, queria que você! Investisse em educação e esquecesse a UPP! Investisse em educação e esquecesse a UPP!”, no ritmo de um funk da década de 90.
A passeata iniciou-se, por volta das 16h30, com uma caminhada de costas, simbolizando os retrocessos dos governantes, da Justiça e do Legislativo, que, juntos, criminalizam as manifestações e fazem vista grossa à violência empreendida pela polícia, tanto na repressão aos manifestantes como em ações em favelas. Em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, manifestantes cantaram com ironia a música "Rio de Janeiro sensacional! Tomou a Alerj, com pedra e pau!", em referência ao protesto de 17 de junho. Mascarados posaram performaticamente diante do cordão de isolamento de policiais em frente à Casa, onde foi aprovada a Lei Nº 6528/ 2013, que proíbe o uso de máscaras em manifestações.

Diversas intervenções artísticas de protesto aconteceram ao longo do ato, como  a dupla que representava a TV Globo e suas posições político-repressoras. Outra dupla interpretava um integrante da FIFA e um mascarado preso por ele, em referência à criminalização dos manifestantes, com vistas ao esvaziamento das ruas para a Copa do Mundo de 2014. A "quadrilha" dos pink Blocs trazia mascarados homossexuais que cantavam músicas políticas provocativas e distribuíam flores.
Deitados diante da Candelária, os manifestantes relembraram os mortos na chacina do lado de fora da igreja e todas as vítimas de homicídios cometidos por policiais. Enquanto essa intervenção ocorria, grupos de policiais começaram a  revistar manifestantes, anotando o nome de diversas pessoas, de modo indiscriminado. A população protestou contra a ação da polícia e os manifestantes revistados puderam voltar à passeata.
Na esquina das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, a multidão silenciou e amordaçou-se. O comércio já fechado não condizia com a serenidade do protesto. Quem saía do trabalho enfileirava-se para acompanhar, com curiosidade, aquela caminhada não-usual. Na linha de frente, os mascarados marchavam em quietude. A faixa "Libertem Baiano e Rafael - Lutar não é crime" pedia a libertação de dois dos manifestantes presos, alguns dos quais participaram do ato.

Cartazes com desenhos do artista Alex Frechette mostravam os rostos de diversos manifestantes agredidos por policiais nas ruas. Integrantes do Movimento pela Legalização da Maconha seguravam a faixa que dizia: "A guerra as drogas matou o Amarildo".  Ao longo do percurso silencioso, foram gritados nomes de presos políticos e locais onde houve chacinas.
Por volta das 18h30, o cortejo fúnebre chegou à Cinelândia, onde os manifestantes arrancaram as mordaças e gritaram pela liberdade. Mascarados e sem máscaras correram em direção às escadarias da Câmara e logo cantaram sarcasticamente: “Olha eu aqui de novo!!!”. Mas a ocupação da escadaria durou somente poucos minutos, para a surpresa da tropa policial, a postos para atuar contra os “vândalos”, categoria esta posta em cheque neste dia.
Conforme o BlocATO seguiu tocando pela Avenida Rio Branco, em direção ao Passeio Público, aqueles que ocupavam a escadaria desceram e fundiram-se novamente à multidão, num balé de corpos que indicava a confluência do desejo de fortalecer o movimento das ruas. Todos seguiram rumo à Lapa, e, para trás, ficaram as pilhas de caixas pretas, carregadas por todo o percurso e reempilhadas diante do Palácio Pedro Ernesto, justamente onde nada investigou a CPI dos Ônibus, inspiração para o trabalho do Alalaô. Médicos socorristas e advogados da OAB acompanharam toda a passeata, sem precisar atuar em seus campos específicos, mas agindo ali também como ativistas.

Nem mesmo as vidraças de Eike Batista foram alvo na quinta-feira. A polícia estava a postos ali também, mas ninguém se preocupou em depredar ainda mais aquele símbolo (da falência) do capitalismo. A proposta de todos ali era terminar o protesto na Lapa, com arte e música, sem confrontos diretos. Ainda antes de anoitecer, os milhares de manifestantes ocuparam a área sob os Arcos da Lapa. Diante da movimentação, muito policiais deixaram a Cinelândia e seguiram atrás do cortejo, compondo a ala repressora dos alfanuméricos. 
No alto dos Arcos, uma faixa lembrava que a Aldeia Maracanã resiste. Batman e o Batman pobre posavam para os fotógrafos lá de cima. Pouco depois da chegada à Lapa, uma correria. “P2! P2!”, gritavam jovens que corriam atrás de um homem, supostamente um policial infiltrado, figurinha sempre fácil (quase sempre visível) nas manifestações. O homem fugiu e logo a pequena confusão se dispersou.
O BlocATO tocou até MC Leonardo puxar alguns funks famosos, como o Rap do Silva, em um microfone improvisado, conectado ao carrinho alegórico da Mídia Ninja.  Em seguida, o manifesto do Grito foi lido mais uma vez, e o Coletivo Projetação promoveu projeções sobre os arcos, pedindo a liberdade de Baiano e “menos polícia e mais políticas públicas”, entre outras frases questionadoras. Autor do hit “Bandido do Rio”, MC PH Lima cantou o rap em que Cabral, Paes e Dilma figuram como bandidos cujas vítimas são a população. Um helicóptero sobrevoava o local e apontava suas luzes para os manifestantes, que reagiam com gestos obscenos e gritos de reprovação.
Por volta das 20h, mascarados despiram-se e, com rostos aparentes, foram embora sem deixar nenhum rastro de “vandalismo” que pudesse ganhar as manchetes do dia seguinte. A PM permaneceu cercando a área onde os manifestantes dançavam e conversavam, mas, aos poucos, foi deixando o local.
O Grito da Liberdade continuava nas rodas de amigos manifestantes, realizados por terem ocupado as ruas mais uma vez, em um protesto em que mascarados e não-mascarados compuseram uma massa uniforme, violentada pelo Estado, preparada para arrancar as mordaças da repressão e disposta a permanecer nas ruas até que sejam libertados os presos políticos, até que as pautas reivindicatórias sejam atendidas. Calar-se para não ser calado, unir-se para ser mais forte, dar as costas à polícia em desprezo à repressão. O povo nas ruas resiste, até que caia a última das mordaças.



ANEXO:

Manifesto do Grito da Liberdade


"O Grito da Liberdade é um ato pela liberdade dos GRITOS!

O ato é uma convocação popular às ruas pelo fim do momento de exceção ao qual o Rio de Janeiro tem sido submetido por seus governantes. Nosso grito é contra a aplicação das leis de Segurança Nacional e de Crime Organizado contra manifestantes, pela libertação imediata dos presos políticos e pelo direito amplo e irrestrito de livre manifestação, garantido na Constituição de 1988, e que tem sido sistematicamente violado pelo Estado em nome dos megaeventos.

Que possamos ter o DIREITO de GRITAR nossas pautas com LIBERDADE!

Nos últimos meses, a barbárie que sempre existiu nas favelas, em especial contra a juventude negra, chegou às ruas para tentar calar as vozes daqueles que exercem sua liberdade de expressão na luta por direitos. Nesse contexto, todos os movimentos sociais e cidadãos têm sido criminalizados com a ajuda das grandes corporações de comunicação.

Estamos aqui para DENUNCIAR os crimes cometidos pelo Estado e comunicar que vamos ficar nas ruas até que os nossos direitos fundamentais sejam respeitados e nossas pautas atendidas, sendo elas:

1) Fim das prisões políticas
Ninguém deve ser detido sem que haja mandado de prisão ou flagrante delito, nem nas favelas, nem nas manifestações. Contra a arbitrariedade dos mandados de prisão. Repugnamos o uso da Lei de Segurança Nacional e da Lei 12.850 contra os manifestantes.

2) Anistia aos processados e aos presos políticos
Todos os procedimentos policiais (Registros de Ocorrência, VPIs e inquéritos) e judiciais (processos), abertos arbitrariamente contra manifestantes, devem ser extintos.

3) Garantia do direito à livre manifestação
Liberdade irrestrita de expressões artísticas, culturais, sociais e políticas nas ruas, praças e espaços públicos.

4) Fim da violência policial
As polícias abusam de seus poderes a mando do Estado, executando negros, pobres e moradores de favela, e perseguindo violentamente os manifestantes que estão nas ruas. Exigimos o fim dos desaparecimentos forçados, do uso de armas letais em manifestações, do uso abusivo de armamentos "não letais" e dos autos de resistência.

5) Desmilitarização da PM
Queremos o fim da Polícia Militar e a reestruturação da política de segurança do Estado.

6) Fim da "pacificação" armada
Não acreditamos na pacificação armada das comunidades. Exigimos a revisão das práticas arbitrárias e reprodutoras de violência utilizadas pelas UPPs. Revisão da atual política de combate às drogas, visto que é uma questão de saúde e não de polícia.

7) Investigação dos crimes cometidos pelas polícias Militar e Civil através de Corregedorias independentes dos governos dos quais elas fazem parte.
O Estado não deve investigar a si mesmo. Queremos uma investigação efetiva.

8) Democratização dos meios de comunicação
Repudio à conivência da grande mídia corporativa com a violência do Estado e a distorção de fatos na tentativa de criminalização dos movimentos sociais. Faz-se urgente o fim do monopólio da mídia, representado principalmente pelas Organizações Globo.

9) Marco Civil da Internet
Queremos a aprovação integral do Marco Civil da Internet, com exclusão do parágrafo 2º do Artigo 15, que garanta a liberdade de expressão, a privacidade e a neutralidade na rede.

10) Abertura de diálogo entre Estado e sociedade civil
Todas as pautas das ruas e formas de expressão da revolta popular devem ser escutadas e discutidas. Lembramos que: “Todo o poder emana do povo" (Constituição da República Federativa do Brasil).

Lutamos, ainda, pelas pautas que estão nas ruas e alimentam o movimento há meses:

Pelos direitos dos profissionais da educação e por melhorias nas condições de ensino público; pela valorização da cultura como eixo fundamental da educação do povo; por uma saúde pública melhor, universal, com mais médicos e equipamentos nos hospitais; contra as remoções; pelo direito à mobilidade urbana, com uma CPI dos ônibus idônea, por melhorias nos serviços explorados por Supervia, Barcas S.A. e Metrô, e a favor da catraca livre.
Contra os gastos abusivos com a Copa e as Olimpíadas; contra as privatizações; contra a corrupção, desvio de verbas públicas e altos impostos; por reformas políticas que possam integrar o povo às decisões políticas; pelos direitos indígenas, demarcação de terras e em apoio a Aldeia Maracanã; contra a homofobia e a violência contra a mulher; contra a venda do pré-sal e a privatização do setor petrolífero.

Responsabilizamos os seguintes representantes do Estado pelos atos criminosos contra a sociedade:
Dilma Rousseff – Presidente da República Federativa do Brasil
José Eduardo Cardozo - Ministro da Justiça
Deputado Henrique Eduardo Alves - Presidente da Câmara dos Deputados
Senador Renan Calheiros - Presidente do Senado
Sérgio Cabral - Governador do Estado do Rio de Janeiro
José Mariano Beltrame - Secretário de Segurança do Estado do RJ
Martha Rocha - Chefe da Polícia Civil
Coronel José Luis Castro Menezes - Comandante Geral da Polícia Militar do RJ
Deputado Paulo Melo - Presidente da ALERJ
Desembargadora Leila Mariano - Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Marfan Martins Vieira - Procurador Geral do Ministério Público RJ
Eduardo Paes - Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro
Claudia Costim - Secretária Municipal de Educacão
Wilson Risolia - Secretário Estadual de Educação
Sérgio Sá Leitão - Secretário Municipal de Cultura
Vereador Jorge Felippe - Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Fernando dos Santos Dionísio - Procurador Geral do Município do Rio de Janeiro

Responsabilizamos os seguintes representantes de entidades internacionais pelos atos criminosos contra a sociedade:
Joseph Blatter – Presidente da FIFA
Thomas Bach - Presidente da COI
Jérôme Valcke - Secretário da FIFA"