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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

DOMINGO CINZENTO NUMA CIDADE VENDIDA AOS MEGAEVENTOS


Fotos e texto por Repórter de Campo Frida da Silva

A cidade já respira o ar perverso dos megaeventos. O último domingo foi marcado por ações coordenadas de propaganda, repressão e maquiagem urbana, orquestradas pela prefeitura, pelo governo do Estado e pelos patrocinadores dos eventos que a cidade receberá a partir do ano que vem.  Logo após o amanhecer cinzento, às 7h,  veio abaixo, em apenas cinco segundos,  o primeiro trecho da Perimetral, cuja demolição vai custar mais de R$ 500 milhões ­– parte de um projeto orçado em R$ 7,7 bi para a chamada "revitalização" do Porto. Enquanto prefeito, vice-governador e afins ainda comemoravam a implosão, mais de 600 homens da Polícia Militar, incluindo o Batalhão de Choque, patrulhavam a praia e revistavam frequentadores "suspeitos", para reprimir supostos "arrastões". No fim da tarde, a massa desavisada das classes média e baixa batia palmas para um show da campanha de marketing do novo uniforme da seleção brasileira, enquanto algumas dezenas de ativistas protestavam contra os gastos de mais de R$30 bi com a Copa, e outros promoviam um ato político-artístico-cultural no Ocupa Lapa.

O fim de semana foi uma pequena prova do que vem por aí em breve. Vale tudo pela "segurança" dos grandes eventos, inclusive o desrespeito aos direitos básicos dos cidadãos cariocas de ir e vir da praia, já que a polícia passa agora a revistar até os ônibus que saem de bairros da Zona Norte da cidade em direção às praias da Zona Sul, numa ação preconceituosa contra a classe trabalhadora que tem na praia seu principal local de lazer. O esquema montado para o patrulhamento da orla é uma espécie de treino das tropas para atuarem nos megaeventos, com testes de equipamentos de monitoramento por câmeras de última geração e um efetivo enorme para reprimir pequenos furtos. Furtos estes que sempre ocorreram nas praias, mas que, agora, são os vilões da vez  no cenário carioca e tornaram-se a pauta principal das políticas de segurança do Estado nas últimas semanas, com vistas à garantia de uma suposta "paz" para a circulação de turistas e atletas que visitarão as praias e ficarão hospedados em hotéis da região.

Também vale tudo para levar a cabo um projeto bilionário de maquiagem da arquitetura carioca no Porto, que vai beneficiar diversas empresas, sobretudo construtoras, as quais lucram para derrubar a Perimetral e construir um "novo" porto, e ainda somem com as tais vigas milionárias, para, provavelmente, reutilizá-las depois, cobrando da prefeitura pela compra de novas. Basta visitar algumas cidades dos EUA e da Europa para se confirmar que um viaduto não precisa vir abaixo para se ressignificar um espaço e dar novas formas de vida a ele. Mas essas outras maneiras provavelmente não iriam dar tanta margem de lucros – financeiros e políticos – aos beneficiados com tamanha ordem de investimentos.

O prefeito Eduardo Paes levou seus filhos para passearem e assistirem ao espetáculo da implosão da Perimetral, noticiada como uma obra magnífica para a zona portuária da cidade. Paes deu entrevistas afirmando que a "Perimetral é o maior símbolo da degradação do Rio", quando os verdadeiros símbolos de uma cidade degradada são as emergências lotadas de hospitais públicos, onde pessoas acabam falecendo por falta de assistência médica anterior aos problemas mais graves; são as vielas de favelas com esgoto à céu aberto e lixo acumulado; são os corpos de vítimas da violência do Estado que se empilham nos IMLs; são as escolas malconservadas e com ares de sauna no calor carioca; são os mal-tratos diários que os trabalhadores sofrem ao pegarem diariamente barcas, trens, metrôs e ônibus sucateados, lotados e caros; são as prisões indignas e lotadas de presos políticos, negros, pardos, moradores de comunidades, esquecidos pela Justiça e pela sociedade.

Para fechar com chave de ouro esse domingo sombrio, milhares de pessoas curtiram cegamente o show, no Aterro do Flamengo, de celebridades da indústria cultural brasileira pagas pelos patrocinadores da Copa 2014. Era o lançamento da camisa nova da seleção e as pessoas que ali estavam sequer tinham informações mínimas para questionar com os mais de R$ 30 bi para a Copa mais cara da história – em segundo lugar vem a da Alemanha, que custou R$ 10,7 bi. Pulavam com seus corpos dóceis na onda cega da euforia da Copa. E olhavam com ares de incompreensão para os cartazes e faixas dos ativistas que ali estiveram para protestar contra a "sujeira da Copa das empreiteiras".

Faixas com os dizeres "Fifa go home" e "Copa pra quem?" foram penduradas nas grades laterais do palco, e manifestantes circularam entre a multidão com cartazes que pediam mais investimentos na saúde e na educação. Dezenas de ativistas permaneceram próximos à frente do palco, cercados por muitos PMs, e cantavam, entre uma música e outra dos shows, gritos de protesto, como "Não vai ter Copa!" e "Da Copa, da Copa, da Copa eu abro mão! Eu quero mais dinheiro pra saúde e educação". Ativistas mascarados eram seguidamente parados pelos policiais, que solicitavam a identidade e a retirada de máscaras e panos dos rostos.

Foto de divulgação Ocupa Lapa
 Perto dali, sob os Arcos da Lapa, ativistas e artistas promoviam, mesmo debaixo de chuva, a manifestação artística-política-cultural do Ocupa Lapa. No Face Rua - Roda Social, os participantes debateram sobre um outro projeto de cidade. Não este projeto empreendido no domingo cinzento e voltado exclusivamente para os megaeventos, com a implosão da perimetral, o patrulhamento preconceituoso das massas populares na praia e o amaciamento das massas com shows de celebridades pagos pelos patrocinadores. Debatiam na rua um projeto de um Rio mais holístico, menos opressor, mais digno, mais justo, mais igual, mais saudável, mais educado, com mais investimentos voltados para as necessidades básicas da população, e, principalmente, menos violento. Sobre este projeto de cidade, paira a nebulosidade dos megaeventos e dos políticos e empresas que lucram através deles.

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