jornalismo independente vinhetando

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sábado, 2 de novembro de 2013

O SILENCIOSO GRITO DE VOZES PLURAIS


Por Repórter de Campo Frida da Silva
Fotos de Lula Carvalho 

O lento compasso do surdo marcava o ritmo da caminhada silenciosa dos manifestantes na Avenida Rio Branco, com a marcha fúnebre ao fundo. Bolinhas de sabão e papéis picados voavam sobre as mais de duas mil pessoas, em gestos simbólicos de apoio ao grito amordaçado de uma pluralidade de vozes. Dos olhos de muitos, escorriam lágrimas, de dor, pelos presos políticos, pela violência do Estado, pelos mortos em favelas, pela repressão às manifestações, mas também de uma esperançosa alegria, por experimentarem a força do silêncio e por serem parte viva da construção de uma harmonia entre grupos, movimentos e coletivos, despidos ali de quaisquer preconceitos, unidos pela força das ruas.
Movimentos sociais, coletivos, mídias independentes, ativistas, presos políticos, adeptos da tática black bloc, professores, artistas, petroleiros e cidadãos compuseram nesta quinta-feira o Grito da Liberdade, um ato político-estético-cultural pela liberdade dos gritos, dos presos políticos e das manifestações. Foram mais de sete horas de protesto, desde as 15h, em frente ao Fórum, até depois das 22h, nos Arcos da Lapa, sem que nenhuma espécie de confronto entre policiais e manifestantes ocorresse. Na Cinelândia, palco dos últimos embates diretos e da repressão policial, manifestantes, incluindo mascarados, deram as costas para centenas de policiais e deixaram pacificamente as escadarias da Câmara em direção à Lapa, onde o ato encerrou-se com música, leitura do manifesto político do Grito da Liberdade (leia a íntegra abaixo), projeções e exposição de fotos.
Diante da ausência de ações diretas criminalizadas pela opinião pública como “vandalismo”, a manifestação não ganhou destaque na cobertura da mídia corporativa, que limitou-se a mencionar superficialmente a existência de um protesto sem confrontos no Centro. Mais uma vez, a mídia corporativa não deu ouvidos às vozes que ali se manifestaram, silenciando-as, violentando-as, sem querer compreendê-las, sem divulgar as nuances deste protesto silencioso, que teve ações politicas e estéticas a cada passo dado, com uma pauta de reivindicações reunida em forma de manifesto, assinado por mais de 50 coletivos e grupos.

Nada disso é relevante a corporações que endossam a criminalização dos manifestantes, vandalizando-os, visando ao esvaziamento dos protestos e à "limpeza" das ruas, para que a imagem da cidade saia bem nas fotos dos megaeventos. Em uma das faixas carregadas no protesto, lia-se:  "Globo é ditadura. Jornalismo vandalismo". O manifesto do Grito também chamou a atenção para o monopólio da mídia, pedindo a democratização dos meios de comunicação e a "aprovação integral do Marco Civil da Internet, com exclusão do parágrafo 2º do Artigo 15".

Na concentração do ato, em frente ao Fórum, manifestantes confeccionaram cartazes de protesto, pintaram camisas com a frase "Não tem arrego", distribuíram mordaças aos participantes e leram o manifesto assinado pelos coletivos, cujas pautas incluíam a liberdade e anistia dos presos políticos, a desmilitarização da PM e o fim da violência policial. Caixas pretas do grupo de artistas plásticos Alalaô foram montadas e empilhadas em frente ao Tribunal. Nelas, foram colados cartazes de "Procura-se" com as fotos de Sérgio Cabral e Eduardo Paes. O grupo de percussão BlocAto tocou, desde a concentração até o fim do ato, marchinhas de protesto e versões de músicas famosas, como “Cabral, queria que você! Cabral, queria que você! Investisse em educação e esquecesse a UPP! Investisse em educação e esquecesse a UPP!”, no ritmo de um funk da década de 90.
A passeata iniciou-se, por volta das 16h30, com uma caminhada de costas, simbolizando os retrocessos dos governantes, da Justiça e do Legislativo, que, juntos, criminalizam as manifestações e fazem vista grossa à violência empreendida pela polícia, tanto na repressão aos manifestantes como em ações em favelas. Em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, manifestantes cantaram com ironia a música "Rio de Janeiro sensacional! Tomou a Alerj, com pedra e pau!", em referência ao protesto de 17 de junho. Mascarados posaram performaticamente diante do cordão de isolamento de policiais em frente à Casa, onde foi aprovada a Lei Nº 6528/ 2013, que proíbe o uso de máscaras em manifestações.

Diversas intervenções artísticas de protesto aconteceram ao longo do ato, como  a dupla que representava a TV Globo e suas posições político-repressoras. Outra dupla interpretava um integrante da FIFA e um mascarado preso por ele, em referência à criminalização dos manifestantes, com vistas ao esvaziamento das ruas para a Copa do Mundo de 2014. A "quadrilha" dos pink Blocs trazia mascarados homossexuais que cantavam músicas políticas provocativas e distribuíam flores.
Deitados diante da Candelária, os manifestantes relembraram os mortos na chacina do lado de fora da igreja e todas as vítimas de homicídios cometidos por policiais. Enquanto essa intervenção ocorria, grupos de policiais começaram a  revistar manifestantes, anotando o nome de diversas pessoas, de modo indiscriminado. A população protestou contra a ação da polícia e os manifestantes revistados puderam voltar à passeata.
Na esquina das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, a multidão silenciou e amordaçou-se. O comércio já fechado não condizia com a serenidade do protesto. Quem saía do trabalho enfileirava-se para acompanhar, com curiosidade, aquela caminhada não-usual. Na linha de frente, os mascarados marchavam em quietude. A faixa "Libertem Baiano e Rafael - Lutar não é crime" pedia a libertação de dois dos manifestantes presos, alguns dos quais participaram do ato.

Cartazes com desenhos do artista Alex Frechette mostravam os rostos de diversos manifestantes agredidos por policiais nas ruas. Integrantes do Movimento pela Legalização da Maconha seguravam a faixa que dizia: "A guerra as drogas matou o Amarildo".  Ao longo do percurso silencioso, foram gritados nomes de presos políticos e locais onde houve chacinas.
Por volta das 18h30, o cortejo fúnebre chegou à Cinelândia, onde os manifestantes arrancaram as mordaças e gritaram pela liberdade. Mascarados e sem máscaras correram em direção às escadarias da Câmara e logo cantaram sarcasticamente: “Olha eu aqui de novo!!!”. Mas a ocupação da escadaria durou somente poucos minutos, para a surpresa da tropa policial, a postos para atuar contra os “vândalos”, categoria esta posta em cheque neste dia.
Conforme o BlocATO seguiu tocando pela Avenida Rio Branco, em direção ao Passeio Público, aqueles que ocupavam a escadaria desceram e fundiram-se novamente à multidão, num balé de corpos que indicava a confluência do desejo de fortalecer o movimento das ruas. Todos seguiram rumo à Lapa, e, para trás, ficaram as pilhas de caixas pretas, carregadas por todo o percurso e reempilhadas diante do Palácio Pedro Ernesto, justamente onde nada investigou a CPI dos Ônibus, inspiração para o trabalho do Alalaô. Médicos socorristas e advogados da OAB acompanharam toda a passeata, sem precisar atuar em seus campos específicos, mas agindo ali também como ativistas.

Nem mesmo as vidraças de Eike Batista foram alvo na quinta-feira. A polícia estava a postos ali também, mas ninguém se preocupou em depredar ainda mais aquele símbolo (da falência) do capitalismo. A proposta de todos ali era terminar o protesto na Lapa, com arte e música, sem confrontos diretos. Ainda antes de anoitecer, os milhares de manifestantes ocuparam a área sob os Arcos da Lapa. Diante da movimentação, muito policiais deixaram a Cinelândia e seguiram atrás do cortejo, compondo a ala repressora dos alfanuméricos. 
No alto dos Arcos, uma faixa lembrava que a Aldeia Maracanã resiste. Batman e o Batman pobre posavam para os fotógrafos lá de cima. Pouco depois da chegada à Lapa, uma correria. “P2! P2!”, gritavam jovens que corriam atrás de um homem, supostamente um policial infiltrado, figurinha sempre fácil (quase sempre visível) nas manifestações. O homem fugiu e logo a pequena confusão se dispersou.
O BlocATO tocou até MC Leonardo puxar alguns funks famosos, como o Rap do Silva, em um microfone improvisado, conectado ao carrinho alegórico da Mídia Ninja.  Em seguida, o manifesto do Grito foi lido mais uma vez, e o Coletivo Projetação promoveu projeções sobre os arcos, pedindo a liberdade de Baiano e “menos polícia e mais políticas públicas”, entre outras frases questionadoras. Autor do hit “Bandido do Rio”, MC PH Lima cantou o rap em que Cabral, Paes e Dilma figuram como bandidos cujas vítimas são a população. Um helicóptero sobrevoava o local e apontava suas luzes para os manifestantes, que reagiam com gestos obscenos e gritos de reprovação.
Por volta das 20h, mascarados despiram-se e, com rostos aparentes, foram embora sem deixar nenhum rastro de “vandalismo” que pudesse ganhar as manchetes do dia seguinte. A PM permaneceu cercando a área onde os manifestantes dançavam e conversavam, mas, aos poucos, foi deixando o local.
O Grito da Liberdade continuava nas rodas de amigos manifestantes, realizados por terem ocupado as ruas mais uma vez, em um protesto em que mascarados e não-mascarados compuseram uma massa uniforme, violentada pelo Estado, preparada para arrancar as mordaças da repressão e disposta a permanecer nas ruas até que sejam libertados os presos políticos, até que as pautas reivindicatórias sejam atendidas. Calar-se para não ser calado, unir-se para ser mais forte, dar as costas à polícia em desprezo à repressão. O povo nas ruas resiste, até que caia a última das mordaças.



ANEXO:

Manifesto do Grito da Liberdade


"O Grito da Liberdade é um ato pela liberdade dos GRITOS!

O ato é uma convocação popular às ruas pelo fim do momento de exceção ao qual o Rio de Janeiro tem sido submetido por seus governantes. Nosso grito é contra a aplicação das leis de Segurança Nacional e de Crime Organizado contra manifestantes, pela libertação imediata dos presos políticos e pelo direito amplo e irrestrito de livre manifestação, garantido na Constituição de 1988, e que tem sido sistematicamente violado pelo Estado em nome dos megaeventos.

Que possamos ter o DIREITO de GRITAR nossas pautas com LIBERDADE!

Nos últimos meses, a barbárie que sempre existiu nas favelas, em especial contra a juventude negra, chegou às ruas para tentar calar as vozes daqueles que exercem sua liberdade de expressão na luta por direitos. Nesse contexto, todos os movimentos sociais e cidadãos têm sido criminalizados com a ajuda das grandes corporações de comunicação.

Estamos aqui para DENUNCIAR os crimes cometidos pelo Estado e comunicar que vamos ficar nas ruas até que os nossos direitos fundamentais sejam respeitados e nossas pautas atendidas, sendo elas:

1) Fim das prisões políticas
Ninguém deve ser detido sem que haja mandado de prisão ou flagrante delito, nem nas favelas, nem nas manifestações. Contra a arbitrariedade dos mandados de prisão. Repugnamos o uso da Lei de Segurança Nacional e da Lei 12.850 contra os manifestantes.

2) Anistia aos processados e aos presos políticos
Todos os procedimentos policiais (Registros de Ocorrência, VPIs e inquéritos) e judiciais (processos), abertos arbitrariamente contra manifestantes, devem ser extintos.

3) Garantia do direito à livre manifestação
Liberdade irrestrita de expressões artísticas, culturais, sociais e políticas nas ruas, praças e espaços públicos.

4) Fim da violência policial
As polícias abusam de seus poderes a mando do Estado, executando negros, pobres e moradores de favela, e perseguindo violentamente os manifestantes que estão nas ruas. Exigimos o fim dos desaparecimentos forçados, do uso de armas letais em manifestações, do uso abusivo de armamentos "não letais" e dos autos de resistência.

5) Desmilitarização da PM
Queremos o fim da Polícia Militar e a reestruturação da política de segurança do Estado.

6) Fim da "pacificação" armada
Não acreditamos na pacificação armada das comunidades. Exigimos a revisão das práticas arbitrárias e reprodutoras de violência utilizadas pelas UPPs. Revisão da atual política de combate às drogas, visto que é uma questão de saúde e não de polícia.

7) Investigação dos crimes cometidos pelas polícias Militar e Civil através de Corregedorias independentes dos governos dos quais elas fazem parte.
O Estado não deve investigar a si mesmo. Queremos uma investigação efetiva.

8) Democratização dos meios de comunicação
Repudio à conivência da grande mídia corporativa com a violência do Estado e a distorção de fatos na tentativa de criminalização dos movimentos sociais. Faz-se urgente o fim do monopólio da mídia, representado principalmente pelas Organizações Globo.

9) Marco Civil da Internet
Queremos a aprovação integral do Marco Civil da Internet, com exclusão do parágrafo 2º do Artigo 15, que garanta a liberdade de expressão, a privacidade e a neutralidade na rede.

10) Abertura de diálogo entre Estado e sociedade civil
Todas as pautas das ruas e formas de expressão da revolta popular devem ser escutadas e discutidas. Lembramos que: “Todo o poder emana do povo" (Constituição da República Federativa do Brasil).

Lutamos, ainda, pelas pautas que estão nas ruas e alimentam o movimento há meses:

Pelos direitos dos profissionais da educação e por melhorias nas condições de ensino público; pela valorização da cultura como eixo fundamental da educação do povo; por uma saúde pública melhor, universal, com mais médicos e equipamentos nos hospitais; contra as remoções; pelo direito à mobilidade urbana, com uma CPI dos ônibus idônea, por melhorias nos serviços explorados por Supervia, Barcas S.A. e Metrô, e a favor da catraca livre.
Contra os gastos abusivos com a Copa e as Olimpíadas; contra as privatizações; contra a corrupção, desvio de verbas públicas e altos impostos; por reformas políticas que possam integrar o povo às decisões políticas; pelos direitos indígenas, demarcação de terras e em apoio a Aldeia Maracanã; contra a homofobia e a violência contra a mulher; contra a venda do pré-sal e a privatização do setor petrolífero.

Responsabilizamos os seguintes representantes do Estado pelos atos criminosos contra a sociedade:
Dilma Rousseff – Presidente da República Federativa do Brasil
José Eduardo Cardozo - Ministro da Justiça
Deputado Henrique Eduardo Alves - Presidente da Câmara dos Deputados
Senador Renan Calheiros - Presidente do Senado
Sérgio Cabral - Governador do Estado do Rio de Janeiro
José Mariano Beltrame - Secretário de Segurança do Estado do RJ
Martha Rocha - Chefe da Polícia Civil
Coronel José Luis Castro Menezes - Comandante Geral da Polícia Militar do RJ
Deputado Paulo Melo - Presidente da ALERJ
Desembargadora Leila Mariano - Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Marfan Martins Vieira - Procurador Geral do Ministério Público RJ
Eduardo Paes - Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro
Claudia Costim - Secretária Municipal de Educacão
Wilson Risolia - Secretário Estadual de Educação
Sérgio Sá Leitão - Secretário Municipal de Cultura
Vereador Jorge Felippe - Presidente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Fernando dos Santos Dionísio - Procurador Geral do Município do Rio de Janeiro

Responsabilizamos os seguintes representantes de entidades internacionais pelos atos criminosos contra a sociedade:
Joseph Blatter – Presidente da FIFA
Thomas Bach - Presidente da COI
Jérôme Valcke - Secretário da FIFA"

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