Por Repórter de Campo Frida da Silva
Foto de Felipe Coelho |
O protesto
transcorria tranquilamente até que, por volta das 9h de terça-feira, policiais
militares prenderam arbitrariamente todos que ali estavam, totalizando doze
detidos, sendo dois menores de idade. Todos os cartazes e faixas foram
apreendidos, assim como as cápsulas de balas, as pedras portuguesas usadas para
evitar que os cartazes voassem, e uma garrafa de Pinho Sol com uma flanela, que
simbolizava a injusta condenação do morador de rua Rafael. Rapidamente, a
informação sobre as prisões pipocou em diversas páginas nas redes sociais,
mobilizando advogados ativistas e integrantes de mídias independentes.
Por volta
das 11h30, cheguei à delegacia para cobrir o desenrolar das prisões. Ainda do lado
de fora, parei para conversar com algumas ativistas e, ao avistar a pilha de
cartazes apreendidos e empilhados no interior da DP, tirei a máquina
fotográfica da bolsa e a liguei. Poucos instantes depois, percebi que, de dentro
da delegacia, um PM alto e forte me encarava com ares de reprovação. Com uma
expressão nada amigável, o policial se dirigiu à porta da DP e me perguntou em
tom ríspido: "Qual foi? Tá querendo me fotografar, me filmar?".
Naquele instante caiu a ficha de que eu segurava a câmera com a lente voltada
em sua direção – por mais que eu sequer tenha disparado uma foto. O receptivo
anfitrião colocou-se na porta da delegacia, exigindo minhas explicações:
"Bom dia, senhor policial. Não, não estou tirando sua foto. Mas posso
tirar, se o senhor quiser. E posso entrevistá-lo. Sou jornalista independente e
estou aqui para cobrir as prisões. O senhor quer dar alguma declaração sobre os
fatos?".
O delicado
PM insistiu em perguntar por que eu segurava a câmera em sua direção,
permanecendo diante da porta, sem deixar que eu entrasse. Repeti a minha
apresentação, com toda calma e paciência, e expliquei que queria fotografar os
objetos apreendidos, se ele me desse licença para entrar na DP, que é pública.
Como se me fizesse um favor, saiu da minha frente depois de alguns minutos e
não quis dar entrevista. A postura desafiadora faria mais sentido adiante.
Depois
desse tira-gosto do civilizado trato da polícia com os mídia-ativistas, pude
adentrar a DP e começar a apurar o ocorrido. Uma repórter do jornal "O
Globo" estava por lá, um pouco afastada dos ativistas envolvidos na
ocorrência, que a olhavam com desconfiança e iam sendo liberados aos poucos,
conforme prestavam depoimento. Segundo as advogadas voluntárias, apenas duas
ativistas foram autuadas por desacato contra os policiais. Depois de liberados,
os ativistas voltaram, no começo da tarde para o Copacabana Palace, onde prenderam
os cartazes e faixas a postes novamente, e ali ficaram até o começo da noite.
Ainda na
DP, uma manifestante registrou uma ameaça sofrida por um policial militar,
justo aquele que havia me intimidado. O PM trabalhava na UPP da comunidade onde
a jovem mora e, no momento das prisões, teria dito a ela que sabia onde ela
morava, em tom ameaçador. Ao ouvir que ela era moradora de uma favela, um
policial civil insinuou: "Então foi você quem levou as cápsulas de balas
pro protesto?".
O mesmo PM
que ameaçou a ativista também havia agredido outra jovem, que vai responder por
desacato. A moça filmava as prisões quando, de repente, o policial lhe deu voz
de prisão e agiu agressivamente, dando-lhe uma gravata até a viatura. Enquanto
ela dava entrevista à repórter do Globo, os policiais encaravam-na
desafiadoramente. Segundo os ativistas, a outra jovem autuada foi carregada à
força pelo chão, também com violência.
A repórter
do jornal perguntou a dois policiais se eles poderiam dar uma entrevista sobre
o ocorrido, mas eles se negaram a falar.
Pouco depois, outro policial militar, responsável pelo registro da
ocorrência, se dispôs a falar comigo e com a repórter. Ele explicou que tinha
havido um reforço do policiamento em frente ao Copacabana Palace, devido ao
protesto, e disse que "ninguém ali era contra o ato de se
manifestar", mas, como havia munições de fuzis no local, teve de levá-los
à delegacia, para que o delegado avaliasse o "fato atípico" – jarguão
policial para designar um caso em que o tipo penal do suposto crime não está
evidente. De acordo com o PM, as jovens teriam dito que os policiais
"deveriam estar drogados".
Foto de Felipe Coelho |
"Black
bloc" tornou-se uma acusação social usada contra qualquer um que participe
de manifestações, assim como o termo "vândalo". E uma mídia-ativista
que replica as respostas de um PM só pode estar do lado "deles", dos
black blocs – como se existisse um grupo formal e como se este grupo fosse
responsável por tudo que acontece nos protestos. "Mas esse protesto foi
organizado pelos blacks blocs, né?", perguntou-me a repórter do Globo, que
segurava um papel impresso na redação, com uma foto do protesto publicada em
alguma página de rede social autodenominada "black bloc". Alguns
minutos de conversa entre mídia-ativista e repórter, e alguns mal-entendidos
sobre a ocupação puderam ser minimamente esclarecidos. Na matéria online e no jornal
impresso do dia seguinte, estavam presentes as denúncias das ativistas sobre a
agressividade dos PMs, mas ninguém foi taxado de black bloc nem vândalo.