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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

OCUPA CÂMARA RESISTE


Texto: Repórter de Campo Lígia Maria
        Fotos: Diogo da Fonseca

 Já passava da uma da manhã do dia 6 de novembro quando se soube que haveria uma nova tentativa de ocupação do espaço em frente à Câmara Municipal do Rio, na Cinelândia, durante a madrugada. O ato tinha como objetivo a reocupação permanente do local, mas três horas depois as duas únicas barracas já haviam sido destruídas pela guarda municipal e dois dos ocupantes detidos. Há alguma novidade na sequência dos fatos? Não. Nenhuma. No entanto, a forma cada vez mais intransigente com a qual o Estado tem reagido às ocupações do espaço público tem muito a dizer.
O Ocupa Câmara, que inicialmente se instalou ali durante a votação da CPI dos Ônibus, em agosto desse ano, transformou-se num local de discussão política durante pouco mais de dois meses: debates, palestras, Assembleias Populares, intervenções culturais e, como não poderia deixar de ser, exibição de filmes, ocorriam ali diariamente. Em 15 de outubro, durante uma manifestação, a ocupação foi violentamente destruída pela forte repressão do Estado e uma parte de seus integrantes presa. No dia seguinte o rosto de três deles estava estampado na capa do Jornal O Globo, sem que qualquer acusação tivesse sido formalizada. A imputação do crime, o julgamento e a condenação foram feitas instantaneamente pela mídia corporativa. Há 20 dias Baiano está preso. Ele é o único manifestante – de um total de mais de sessenta presos – que ainda permanece no presídio em Bangu. Seu crime é estar à margem da sociedade. Sem teto e sem documentos, todos os pedidos de habeas corpus foram negados, apesar dos esforços dos advogados ativistas empenhados em reverter essa arbitrariedade.
Baiano, no entanto, não está sozinho. Rafael é morador de rua e também está preso desde a manifestação de 20 de junho. De acordo com informações da página do “Rio na Rua”, ele foi detido em uma loja arrombada anteriormente na rua do Lavradio. No momento da detenção, ele portava vassoura e duas garrafas plásticas contendo material de limpeza e água sanitária. Cumprindo ordens expressas da chefe de polícia do Rio, delegada Martha Rocha, os policiais militares encaminharam Rafael para a 5ª DP e o acusaram de portar duas garrafas de plástico com material inflamável que aparentavam ser coquetéis molotovs, muito embora coquetéis molotov só possam ser feitos com garrafas de vidro. Rafael afirmou que não estava no protesto e que, no momento da abordagem policial, apenas retirava as duas garrafas da loja abandonada onde dormia. Rafael foi incriminado sem provas. Assim como Baiano, é um preso político.
“Como ficar calado diante disso?” – se perguntavam os meninos e meninas do Ocupa Câmara durante a tentativa de reocupação desta madrugada. “Essa precisa ser nossa primeira pauta: Anistia dos presos políticos”. E assim começou-se a discutir na escadaria da Câmara, às três e meia da manhã, a lista de reivindicações que os levaram de volta ao lugar de onde não precisavam ter saído. Até onde se sabe, “ocupação de espaço público” ainda não é tipificado como crime. Muito pelo contrário. É direito constitucionalmente garantido.
A reocupação, aliás, ocorreu de forma rápida. Eram em torno de 30 pessoas, incluídos aí os midialivristas que transmitiam tudo ao vivo pelo twittcasting. As duas barracas foram montadas na rua de trás e levadas para frente da Câmara, sob a observação de um único carro da PM estacionado em frente ao Teatro Municipal. O policial, por sua vez, passeou por ali para verificar o que tava acontecendo e em seguida se retirou. Uma faixa foi produzida com a seguinte frase: “Ocupa Câmara Rio 2.0”. Montada a estrutura, era chegada a hora de debater. 
A pauta da anistia dos presos políticos de todo o país foi a primeira de muitas. Entre elas, o repúdio à violência do Estado, incluídos aí a violência policial, as UPPs, desmilitarização da polícia, as remoções, liberdade às manifestações etc.; a transparência das obras públicas realizadas em função dos grandes eventos; a investigação dos contratos dos transportes públicos e outras tantas. A ideia era fazer um conjunto de pautas principais e distribuir cópias aos que passassem. Politizar, resistir e ocupar.
As ocupações têm sido reprimidas duramente desde que começaram a se consolidar como forma efetiva e permanente de protesto. A polícia militar desmontou o Ocupa Cabral e o Ocupa Câmara. E não haveria de ser diferente dessa vez. Assim que o dia clareou, dois ônibus da Guarda Municipal chegaram lotados de agentes do Estado para retirar os ocupantes e desmontar o acampamento. A alegação? Obstrução do imenso espaço da Cinelândia por duas barracas de dois metros quadrados cada uma. Segundo os guardas, o direito de ir e vir dos cidadãos se sobrepunha ao direito de ocupação do espaço público requerido pelos manifestantes. Cidadãos e manifestantes figuram, portanto, como se fossem classes distintas de pessoas. A primeira, com muito custo, consegue ter algum direito. A segunda, nenhum.
Finalmente, depois de muita resistência em deixar o local por parte dos manifestantes, os guardas perderam a paciência. Arrastaram dois dos meninos até o ônibus e os levaram direto para a 5ª DP. Já estão soltos, mas fica claro que a forma pela qual as detenções vêm ocorrendo tem que ser problematizada de uma maneira mais dura. O tão questionado sistema punitivo é sempre a única opção do Estado no tratamento aos manifestantes, quando o que mais se reivindica é o diálogo e a transparência. Judiciário, Legislativo e Executivo estão juntos nessa empreitada. Tempos sombrios estão por vir, afinal de contas, a Copa do Mundo não pode ser de forma alguma atrapalhada. Até lá, os manifestantes resistem. Hoje, tanto o Ocupa Cabral – que em sua reedição se autodenomina Ocupa Leblon – quanto o “Ocupa Câmara” estão lá. Descaracterizados, obviamente, pois as barracas foram levadas e proibidas de serem instaladas novamente. As ideias, no entanto, permanecem. A repressão do Estado só as reforça.

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