Texto: Repórter de Campo Lígia Maria
Fotos: Diogo da Fonseca
Fotos: Diogo da Fonseca
Já passava da uma da manhã do dia 6 de novembro quando se
soube que haveria uma nova tentativa de ocupação do espaço em frente à Câmara
Municipal do Rio, na Cinelândia, durante a madrugada. O ato tinha como objetivo
a reocupação permanente do local, mas três horas depois as duas únicas barracas
já haviam sido destruídas pela guarda municipal e dois dos ocupantes detidos.
Há alguma novidade na sequência dos fatos? Não. Nenhuma. No entanto, a forma
cada vez mais intransigente com a qual o Estado tem reagido às ocupações do
espaço público tem muito a dizer.
O Ocupa Câmara, que inicialmente se instalou ali durante a
votação da CPI dos Ônibus, em agosto desse ano, transformou-se num local de
discussão política durante pouco mais de dois meses: debates, palestras,
Assembleias Populares, intervenções culturais e, como não poderia deixar de
ser, exibição de filmes, ocorriam ali diariamente. Em 15 de outubro, durante
uma manifestação, a ocupação foi violentamente destruída pela forte repressão
do Estado e uma parte de seus integrantes presa. No dia seguinte o rosto de
três deles estava estampado na capa do Jornal O Globo, sem que qualquer
acusação tivesse sido formalizada. A imputação do crime, o julgamento e a
condenação foram feitas instantaneamente pela mídia corporativa. Há 20 dias
Baiano está preso. Ele é o único manifestante – de um total de mais de sessenta
presos – que ainda permanece no presídio em Bangu. Seu crime é estar à margem
da sociedade. Sem teto e sem documentos, todos os pedidos de habeas corpus
foram negados, apesar dos esforços dos advogados ativistas empenhados em
reverter essa arbitrariedade.
Baiano, no entanto, não está sozinho. Rafael é morador de
rua e também está preso desde a manifestação de 20 de junho. De acordo com
informações da página do “Rio na Rua”, ele foi detido em uma loja arrombada
anteriormente na rua do Lavradio. No momento da detenção, ele portava vassoura
e duas garrafas plásticas contendo material de limpeza e água sanitária.
Cumprindo ordens expressas da chefe de polícia do Rio, delegada Martha Rocha,
os policiais militares encaminharam Rafael para a 5ª DP e o acusaram de portar
duas garrafas de plástico com material inflamável que aparentavam ser coquetéis
molotovs, muito embora coquetéis molotov só possam ser feitos com garrafas de
vidro. Rafael afirmou que não estava no protesto e que, no momento da abordagem
policial, apenas retirava as duas garrafas da loja abandonada onde dormia.
Rafael foi incriminado sem provas. Assim como Baiano, é um preso político.
“Como ficar calado diante disso?” – se perguntavam os
meninos e meninas do Ocupa Câmara durante a tentativa de reocupação desta
madrugada. “Essa precisa ser nossa primeira pauta: Anistia dos presos
políticos”. E assim começou-se a discutir na escadaria da Câmara, às três e
meia da manhã, a lista de reivindicações que os levaram de volta ao lugar de
onde não precisavam ter saído. Até onde se sabe, “ocupação de espaço público”
ainda não é tipificado como crime. Muito pelo contrário. É direito
constitucionalmente garantido.
A reocupação, aliás, ocorreu de forma rápida. Eram em torno
de 30 pessoas, incluídos aí os midialivristas que transmitiam tudo ao vivo pelo
twittcasting. As duas barracas foram montadas na rua de trás e levadas para
frente da Câmara, sob a observação de um único carro da PM estacionado em
frente ao Teatro Municipal. O policial, por sua vez, passeou por ali para
verificar o que tava acontecendo e em seguida se retirou. Uma faixa foi
produzida com a seguinte frase: “Ocupa Câmara Rio 2.0”. Montada a estrutura,
era chegada a hora de debater.
A pauta da anistia dos presos políticos de todo o país foi
a primeira de muitas. Entre elas, o repúdio à violência do Estado, incluídos aí
a violência policial, as UPPs, desmilitarização da polícia, as remoções,
liberdade às manifestações etc.; a transparência das obras públicas realizadas
em função dos grandes eventos; a investigação dos contratos dos transportes
públicos e outras tantas. A ideia era fazer um conjunto de pautas principais e
distribuir cópias aos que passassem. Politizar, resistir e ocupar.
As ocupações têm sido reprimidas duramente desde que
começaram a se consolidar como forma efetiva e permanente de protesto. A
polícia militar desmontou o Ocupa Cabral e o Ocupa Câmara. E não haveria de ser
diferente dessa vez. Assim que o dia clareou, dois ônibus da Guarda Municipal
chegaram lotados de agentes do Estado para retirar os ocupantes e desmontar o
acampamento. A alegação? Obstrução do imenso espaço da Cinelândia por duas
barracas de dois metros quadrados cada uma. Segundo os guardas, o direito de ir
e vir dos cidadãos se sobrepunha ao direito de ocupação do espaço público
requerido pelos manifestantes. Cidadãos e manifestantes figuram, portanto, como
se fossem classes distintas de pessoas. A primeira, com muito custo, consegue
ter algum direito. A segunda, nenhum.
Finalmente, depois de muita resistência em deixar o local
por parte dos manifestantes, os guardas perderam a paciência. Arrastaram dois
dos meninos até o ônibus e os levaram direto para a 5ª DP. Já estão soltos, mas
fica claro que a forma pela qual as detenções vêm ocorrendo tem que ser
problematizada de uma maneira mais dura. O tão questionado sistema punitivo é
sempre a única opção do Estado no tratamento aos manifestantes, quando o que
mais se reivindica é o diálogo e a transparência. Judiciário, Legislativo e
Executivo estão juntos nessa empreitada. Tempos sombrios estão por vir, afinal de contas, a Copa do Mundo não
pode ser de forma alguma atrapalhada. Até lá, os manifestantes resistem. Hoje,
tanto o Ocupa Cabral – que em sua reedição se autodenomina Ocupa Leblon –
quanto o “Ocupa Câmara” estão lá. Descaracterizados, obviamente, pois as
barracas foram levadas e proibidas de serem instaladas novamente. As ideias, no
entanto, permanecem. A repressão do Estado só as reforça.
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