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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Tiros de borracha e revistas a manifestantes em dia de leilão do pré-sal



Foto por Lula Carvalho
Por Repórter de Campo Frida da Silva

No dia em que as reservas do pré-sal do Campo de Libra foram leiloadas a um único consórcio concorrente, os protestos na Barra da Tijuca e no Centro foram marcados pela disparidade entre o gigantesco contingente de forças policiais e do Exército e o número reduzido de manifestantes. Enquanto na Barra houve o uso excessivo de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio contra a população, deixando diversos feridos, no Centro, a PM revistou sucessivamente os manifestantes e encurralou-os, em diversos momentos, no percurso da Candelária à sede da Petrobrás e, de lá, até a Cinelândia.
Menos de uma semana após a Polícia Militar prender cerca de 200 manifestantes no Centro do Rio, fragatas da Marinha, tropas do Exército e da Força Nacional desembarcaram na praia da Barra e se juntaram às forças policiais estaduais para isolar o perímetro do Hotel Windsor, na Avenida Lúcio Costa, onde o consórcio formado pela Petrobrás e Shell arrebataram as reservas do pré-sal. Centenas de petroleiros – e seus movimentos sindicais – participaram do ato na praia da Barra e, acuados, assistiram ao confronto entre as forças policiais e manifestantes mascarados, que foram alvos de muitas bombas de gás lacrimogênio e disparos de borracha.
Os petroleiros entraram em greve na última quinta-feira, colocando-se contra o leilão do pré-sal e o Projeto de Lei 4330, que visa a terceirizar a mão-de-obra nas plataformas de exploração do óleo. Um grupo de amigos petroleiros que trabalham na Bacia de Campos esteve ontem, pela primeira vez, em duas manifestações no Rio. Foram ao Centro direto da Barra, onde assistiram atônitos à luta empreendida por mascarados, que, segundo eles, eram compostos por toda sorte de gente, de trabalhadores a jovens estudantes. "Passei a admirar esses black blocs", comentou Alexandre, 32 anos, há 7 como petroleiro.  "É uma demonstração de força. Dá um caráter combativo à nossa luta. Aquela é uma juventude na qual eu me incluo", completou Chico, também 32 anos, há 11 trabalhando na área.
O grupo se uniu a uma pequena concentração de manifestantes que começaram a chegar à Candelária por volta das 17h. Apesar da convocação dos professores para a manifestação, um número pequeno de pessoas esteve presente. Alguns ativistas de movimentos sociais, integrantes de partidos de esquerda, professores e cidadãos cantavam contra o leilão do petróleo ("Que incompetência, o leilão não teve concorrência!"), contra o governador Sérgio Cabral ("Cabral, eu não me engano, seu coração é miliciano!"), e a favor do poder do povo ("Poder para o povo! E o poder do povo! Vai fazer um mundo novo!). Cartazes pediam a libertação dos presos políticos.

Foto por Lula Carvalho

Enquanto isso, dezenas de policiais militares revistavam todos que carregavam mochilas. A revista em massa foi a principal tática empreendida pela PM ontem, no Centro, em busca de possíveis flagrantes que permitiriam incriminar os acusados de serem "black blocs", mas, acima de tudo, visando a disseminar uma pressão e um clima de suspeição sobre todos que ali estavam. Alguns jovens chegaram a ser revistados duas ou três vezes até o fim da noite. E a música mais cantada do dia acabou sendo: "Não adianta, me revistar! É o Amarildo que você tem que achar!".
 Mídia-ativistas e cidadãos comuns empunhavam câmeras a cada revista feita, e um policial militar filmava aqueles que gravavam ações, valendo-se de um tom ameaçador e dizendo que as imagens por eles captadas iam "ficar guardadas no batalhão", como se fossem alguma espécie de indício de uma conduta desviante. Em muitas mochilas revistadas eram encontrados vinagre e leite de magnésia, usados para amenizar os efeitos de gás lacrimogênio, bem como camisas ou máscaras, e, em alguns casos, luvas, algumas das quais já continham marcas de queimaduras – indicando que poderiam ter sido usadas para se jogar bombas de gás lacrimogênio ou até coquetéis molotov. A cada luva retirada de uma mochila, os policiais faziam piadas e ameaças sutis, como "você vai ver o que é violência daqui a pouco".
Ao revistarem as mochilas de dois adolescentes de 16 anos, encontraram luvas e, em uma apostila de colégio, um desenho que dizia "Black Bloc". Em tom sarcástico, o PM segurou a apostila e disse: "Esse aqui é o pessoal que tem cultura, inteligente. Esse é o futuro do Brasil!". A população reagiu em tom de apoio aos jovens com o grito típico dos mascarados: "Uh! Uh! Uh!". Assim como na maioria dos casos, os adolescentes foram liberados. Algumas pedras portuguesas foram encontradas em mochilas.
Foto por  Frida da Silva
Um pouco antes das 19h, a pequena multidão de manifestantes seguiu em direção à sede da Petrobrás, na Avenida República do Chile. Alguns mascarados puseram-se à frente da passeata. Muitos policiais acompanhavam a movimentação do cortejo, que fechou o trânsito na Avenida Rio Branco até a esquina com a Avenida Chile, também interditada. Centenas de policiais aguardavam a chegada dos manifestantes nas imediações do prédio da Petrobrás. Os policiais chegaram a se enfileirar na Avenida, numa tentativa de impedir que a passeata se aproximasse do edifício, mas os manifestantes continuaram caminhando. Neste ponto, os populares seguiram em diferentes direções, rumo ao prédio. A polícia se misturava à multidão, mas também mantinha cordões de isolamento ao redor da sede da Petrobrás e esperava de prontidão em diversos pontos da Avenida Chile.
Sem líderes nem um planejamento pré-estabelecido, o ato continuou silencioso, com a permanência dos manifestantes ao redor do prédio, tanto na Avenida Chile, como na passarela que dá acesso ao prédio – onde diversas barracas compõem o movimento Ocupa Petrobrás. Mascarados ou cidadãos com mochilas eram sucessivamente alvo de revistas, sempre filmadas por pequenos grupos. O canto "Não adianta me revistar..." era evocado seguidamente. Integrantes do Ocupa Petrobrás pediam calma a policiais e manifestantes, tentando evitar confusões.
Por volta das 19h30, os policiais conduziram dois jovens mascarados, de 18 anos, até um veículo da PM, para que fosse feita uma busca de antecedentes criminais. A condução foi feita sob muitos protestos e confusão. Como não tinham antecedentes, os jovens foram liberados. O advogado ativista que lhes assistiu sugeriu que fossem embora. Eles deixaram o local inconformados pela atitude da PM.


Jovem exibe ferimentos por balas de borracha. Por Livia Reis.
Logo depois de os dois jovens serem liberados, os manifestantes seguiram em direção à Cinelândia, sob fortíssima escolta da polícia. Chegando lá, por volta das 20h, outras centenas de policiais estavam a postos. O protesto tomou as escadarias da Câmara, onde voltaram a cantar músicas de protesto. Policiais permaneciam no alto da escadaria, em meio aos manifestantes. Muita gente foi embora. Com a avassaladora presença da PM, inclusive jovens que costumam mascarar-se em protestos decidiram ir para casa. "Hoje não dá para ficar na linha de frente, não. É muita polícia", comentava um adolescente. 
Mais revistas eram feitas, e muita gente temia que novas prisões fossem efetuadas, como no último dia 15. Às 20h40, alguns mascarados resolveram se colocar diante do cordão policial em frente ao Theatro Municipal, que fechou suas portas. Mais gritos de protestos e cada vez menos gente. O mar de fardas azuis engolia quem ainda resistia. Novas revistas e mais tensão. Um morador de rua foi detido por porte de pedras e os manifestantes protestaram. Pequenos tumultos e corre-corre.
O Bar Amarelinho seguia aberto e o trânsito da Rio Branco estava liberado, sinais da ausência de confronto direto. Pouco antes das 21h, mascarados fecharam a Avenida Rio Branco e caminharam em direção à Avenida Beira-Mar. Aos poucos, a manifestação se dissipava e nem mesmo mídia-ativistas se faziam presentes. A repressão da última semana ainda pairava nas mentes dos cariocas e o largo efetivo da PM oprimia a pequena multidão.
Foto por Livia Reis
Seguindo o movimento de oscilação entre "povo na rua" e "povo acuado", desde junho, este poderia ser visto como um dia de esvaziamento das ruas. Ou, pior, de uma forçosa ocupação do espaço público pelas tropas repressoras do Estado. Mas as greves dos petroleiros e dos professores continuam, mais gente indigna-se com as prisões políticas, e novas mobilizações e pautas para manifestações surgem nas redes sociais e encontros sindicais. O grito de "Não vai ter Copa!" ainda ecoa pelas esquinas do Centro. Assim como o fantasma do Exército nas ruas.  


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