Foto por Lula Carvalho |
Por Repórter de Campo Frida da Silva
No dia em
que as reservas do pré-sal do Campo de Libra foram leiloadas a um único
consórcio concorrente, os protestos na Barra da Tijuca e no Centro foram
marcados pela disparidade entre o gigantesco contingente de forças policiais e
do Exército e o número reduzido de manifestantes. Enquanto na Barra houve o uso
excessivo de balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio contra a população,
deixando diversos feridos, no Centro, a PM revistou sucessivamente os
manifestantes e encurralou-os, em diversos momentos, no percurso da Candelária à
sede da Petrobrás e, de lá, até a Cinelândia.
Menos de uma
semana após a Polícia Militar prender cerca de 200 manifestantes no Centro do Rio,
fragatas da Marinha, tropas do Exército e da Força Nacional desembarcaram na
praia da Barra e se juntaram às forças policiais estaduais para isolar o
perímetro do Hotel Windsor, na Avenida Lúcio Costa, onde o consórcio formado
pela Petrobrás e Shell arrebataram as reservas do pré-sal. Centenas de petroleiros
– e seus movimentos sindicais – participaram do ato na praia da Barra e,
acuados, assistiram ao confronto entre as forças policiais e manifestantes mascarados,
que foram alvos de muitas bombas de gás lacrimogênio e disparos de borracha.
Os
petroleiros entraram em greve na última quinta-feira, colocando-se contra o
leilão do pré-sal e o Projeto de Lei 4330, que visa a terceirizar a mão-de-obra
nas plataformas de exploração do óleo. Um grupo de amigos petroleiros que
trabalham na Bacia de Campos esteve ontem, pela primeira vez, em duas
manifestações no Rio. Foram ao Centro direto da Barra, onde assistiram atônitos
à luta empreendida por mascarados, que, segundo eles, eram compostos por toda
sorte de gente, de trabalhadores a jovens estudantes. "Passei a admirar
esses black blocs", comentou Alexandre, 32 anos, há 7 como petroleiro. "É uma demonstração de força. Dá um
caráter combativo à nossa luta. Aquela é uma juventude na qual eu me
incluo", completou Chico, também 32 anos, há 11 trabalhando na área.
O grupo se
uniu a uma pequena concentração de manifestantes que começaram a chegar à Candelária
por volta das 17h. Apesar da convocação dos professores para a manifestação, um
número pequeno de pessoas esteve presente. Alguns ativistas de movimentos
sociais, integrantes de partidos de esquerda, professores e cidadãos cantavam contra
o leilão do petróleo ("Que incompetência, o leilão não teve
concorrência!"), contra o governador Sérgio Cabral ("Cabral, eu não me
engano, seu coração é miliciano!"), e a favor do poder do povo
("Poder para o povo! E o poder do povo! Vai fazer um mundo novo!). Cartazes
pediam a libertação dos presos políticos.
Foto por Lula Carvalho |
Enquanto isso, dezenas de policiais militares revistavam todos que carregavam
mochilas. A revista em massa foi a principal tática empreendida pela PM ontem,
no Centro, em busca de possíveis flagrantes que permitiriam incriminar os
acusados de serem "black blocs", mas, acima de tudo, visando a disseminar
uma pressão e um clima de suspeição sobre todos que ali estavam. Alguns jovens
chegaram a ser revistados duas ou três vezes até o fim da noite. E a música
mais cantada do dia acabou sendo: "Não adianta, me revistar! É o Amarildo
que você tem que achar!".
Mídia-ativistas e cidadãos comuns empunhavam
câmeras a cada revista feita, e um policial militar filmava aqueles que
gravavam ações, valendo-se de um tom ameaçador e dizendo que as imagens por
eles captadas iam "ficar guardadas no batalhão", como se fossem
alguma espécie de indício de uma conduta desviante. Em muitas mochilas
revistadas eram encontrados vinagre e leite de magnésia, usados para amenizar
os efeitos de gás lacrimogênio, bem como camisas ou máscaras, e, em alguns
casos, luvas, algumas das quais já continham marcas de queimaduras – indicando
que poderiam ter sido usadas para se jogar bombas de gás lacrimogênio ou até
coquetéis molotov. A cada luva retirada de uma mochila, os policiais faziam
piadas e ameaças sutis, como "você vai ver o que é violência daqui a
pouco".
Ao
revistarem as mochilas de dois adolescentes de 16 anos, encontraram luvas e, em
uma apostila de colégio, um desenho que dizia "Black Bloc". Em tom
sarcástico, o PM segurou a apostila e disse: "Esse aqui é o pessoal que
tem cultura, inteligente. Esse é o futuro do Brasil!". A população reagiu
em tom de apoio aos jovens com o grito típico dos mascarados: "Uh! Uh!
Uh!". Assim como na maioria dos casos, os adolescentes foram liberados. Algumas
pedras portuguesas foram encontradas em mochilas.
Foto por Frida da Silva |
Sem líderes
nem um planejamento pré-estabelecido, o ato continuou silencioso, com a
permanência dos manifestantes ao redor do prédio, tanto na Avenida Chile, como
na passarela que dá acesso ao prédio – onde diversas barracas compõem o
movimento Ocupa Petrobrás. Mascarados ou cidadãos com mochilas eram
sucessivamente alvo de revistas, sempre filmadas por pequenos grupos. O canto
"Não adianta me revistar..." era evocado seguidamente. Integrantes do
Ocupa Petrobrás pediam calma a policiais e manifestantes, tentando evitar
confusões.
Por volta
das 19h30, os policiais conduziram dois jovens mascarados, de 18 anos, até um
veículo da PM, para que fosse feita uma busca de antecedentes criminais. A
condução foi feita sob muitos protestos e confusão. Como não tinham
antecedentes, os jovens foram liberados. O advogado ativista que lhes assistiu
sugeriu que fossem embora. Eles deixaram o local inconformados pela atitude da
PM.
Logo depois
de os dois jovens serem liberados, os manifestantes seguiram em direção à
Cinelândia, sob fortíssima escolta da polícia. Chegando lá, por volta das 20h,
outras centenas de policiais estavam a postos. O protesto tomou as escadarias
da Câmara, onde voltaram a cantar músicas de protesto. Policiais permaneciam no
alto da escadaria, em meio aos manifestantes. Muita gente foi embora. Com a
avassaladora presença da PM, inclusive jovens que costumam mascarar-se em
protestos decidiram ir para casa. "Hoje não dá para ficar na linha de
frente, não. É muita polícia", comentava um adolescente.
Jovem exibe ferimentos por balas de borracha. Por Livia Reis. |
Mais
revistas eram feitas, e muita gente temia que novas prisões fossem efetuadas,
como no último dia 15. Às 20h40, alguns mascarados resolveram se colocar diante
do cordão policial em frente ao Theatro Municipal, que fechou suas portas. Mais
gritos de protestos e cada vez menos gente. O mar de fardas azuis engolia quem
ainda resistia. Novas revistas e mais tensão. Um morador de rua foi detido por
porte de pedras e os manifestantes protestaram. Pequenos tumultos e
corre-corre.
O Bar
Amarelinho seguia aberto e o trânsito da Rio Branco estava liberado, sinais da
ausência de confronto direto. Pouco antes das 21h, mascarados fecharam a
Avenida Rio Branco e caminharam em direção à Avenida Beira-Mar. Aos poucos, a
manifestação se dissipava e nem mesmo mídia-ativistas se faziam presentes. A
repressão da última semana ainda pairava nas mentes dos cariocas e o largo
efetivo da PM oprimia a pequena multidão.
Foto por Livia Reis |
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