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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

PRISÕES E INTIMIDAÇÕES EM COPACABANA


Por Repórter de Campo Frida da Silva 


Foto de Felipe Coelho
A notícia que se espalhou pela páginas do Facebook na manhã de ontem era de que 12 ativistas do Ocupa Copa Palace haviam sido detidos e levados para a 12a DP (Hilário de Gouveia), em Copacabana, depois de dois dias de protestos pacíficos, do lado de fora do palco do encontro da fundação do ex-presidente dos EUA Bill Clinton. A ocupação do exterior do Copacabana Palace havia começado no domingo, com a exibição de cartazes e faixas contra os gastos excessivos com a Copa do Mundo, contra as remoções, contra a violência policial, contra a repressão às manifestações e pela anistia do presos políticos (Baiano segue preso preventivamente e Rafael foi condenado a cinco anos de prisão por portar duas garrafas de material de limpeza). Os ativistas abordavam e eram abordados por turistas e pedestres, em diálogos de conscientização e protesto. Na noite de segunda, um morador de uma comunidade com Unidade de Polícia "Pacificadora" havia deixado ali dezenas de cápsulas de balas disparadas pela polícia, num gesto contra a violência do Estado.
O protesto transcorria tranquilamente até que, por volta das 9h de terça-feira, policiais militares prenderam arbitrariamente todos que ali estavam, totalizando doze detidos, sendo dois menores de idade. Todos os cartazes e faixas foram apreendidos, assim como as cápsulas de balas, as pedras portuguesas usadas para evitar que os cartazes voassem, e uma garrafa de Pinho Sol com uma flanela, que simbolizava a injusta condenação do morador de rua Rafael. Rapidamente, a informação sobre as prisões pipocou em diversas páginas nas redes sociais, mobilizando advogados ativistas e integrantes de mídias independentes.
Por volta das 11h30, cheguei à delegacia para cobrir o desenrolar das prisões. Ainda do lado de fora, parei para conversar com algumas ativistas e, ao avistar a pilha de cartazes apreendidos e empilhados no interior da DP, tirei a máquina fotográfica da bolsa e a liguei. Poucos instantes depois, percebi que, de dentro da delegacia, um PM alto e forte me encarava com ares de reprovação. Com uma expressão nada amigável, o policial se dirigiu à porta da DP e me perguntou em tom ríspido: "Qual foi? Tá querendo me fotografar, me filmar?". Naquele instante caiu a ficha de que eu segurava a câmera com a lente voltada em sua direção – por mais que eu sequer tenha disparado uma foto. O receptivo anfitrião colocou-se na porta da delegacia, exigindo minhas explicações: "Bom dia, senhor policial. Não, não estou tirando sua foto. Mas posso tirar, se o senhor quiser. E posso entrevistá-lo. Sou jornalista independente e estou aqui para cobrir as prisões. O senhor quer dar alguma declaração sobre os fatos?".

O delicado PM insistiu em perguntar por que eu segurava a câmera em sua direção, permanecendo diante da porta, sem deixar que eu entrasse. Repeti a minha apresentação, com toda calma e paciência, e expliquei que queria fotografar os objetos apreendidos, se ele me desse licença para entrar na DP, que é pública. Como se me fizesse um favor, saiu da minha frente depois de alguns minutos e não quis dar entrevista. A postura desafiadora faria mais sentido adiante.
Depois desse tira-gosto do civilizado trato da polícia com os mídia-ativistas, pude adentrar a DP e começar a apurar o ocorrido. Uma repórter do jornal "O Globo" estava por lá, um pouco afastada dos ativistas envolvidos na ocorrência, que a olhavam com desconfiança e iam sendo liberados aos poucos, conforme prestavam depoimento. Segundo as advogadas voluntárias, apenas duas ativistas foram autuadas por desacato contra os policiais. Depois de liberados, os ativistas voltaram, no começo da tarde para o Copacabana Palace, onde prenderam os cartazes e faixas a postes novamente, e ali ficaram até o começo da noite.
Ainda na DP, uma manifestante registrou uma ameaça sofrida por um policial militar, justo aquele que havia me intimidado. O PM trabalhava na UPP da comunidade onde a jovem mora e, no momento das prisões, teria dito a ela que sabia onde ela morava, em tom ameaçador. Ao ouvir que ela era moradora de uma favela, um policial civil insinuou: "Então foi você quem levou as cápsulas de balas pro protesto?".
O mesmo PM que ameaçou a ativista também havia agredido outra jovem, que vai responder por desacato. A moça filmava as prisões quando, de repente, o policial lhe deu voz de prisão e agiu agressivamente, dando-lhe uma gravata até a viatura. Enquanto ela dava entrevista à repórter do Globo, os policiais encaravam-na desafiadoramente. Segundo os ativistas, a outra jovem autuada foi carregada à força pelo chão, também com violência.
A repórter do jornal perguntou a dois policiais se eles poderiam dar uma entrevista sobre o ocorrido, mas eles se negaram a falar.  Pouco depois, outro policial militar, responsável pelo registro da ocorrência, se dispôs a falar comigo e com a repórter. Ele explicou que tinha havido um reforço do policiamento em frente ao Copacabana Palace, devido ao protesto, e disse que "ninguém ali era contra o ato de se manifestar", mas, como havia munições de fuzis no local, teve de levá-los à delegacia, para que o delegado avaliasse o "fato atípico" – jarguão policial para designar um caso em que o tipo penal do suposto crime não está evidente. De acordo com o PM, as jovens teriam dito que os policiais "deveriam estar drogados".
Foto de Felipe Coelho
Perguntei ao policial se dava para ver se as balas haviam sido deflagradas, ao que ele respondeu que sim, eram cápsulas deflagradas. Então indaguei se o porte daquelas cápsulas constituía crime, e se os ativistas não estariam exercendo o direito à livre manifestação. "Mas você é black bloc ou jornalista? Você está sendo parcial. Essa moça do Globo, não", acusou-me.
"Black bloc" tornou-se uma acusação social usada contra qualquer um que participe de manifestações, assim como o termo "vândalo". E uma mídia-ativista que replica as respostas de um PM só pode estar do lado "deles", dos black blocs ­– como se existisse um grupo formal e como se este grupo fosse responsável por tudo que acontece nos protestos. "Mas esse protesto foi organizado pelos blacks blocs, né?", perguntou-me a repórter do Globo, que segurava um papel impresso na redação, com uma foto do protesto publicada em alguma página de rede social autodenominada "black bloc". Alguns minutos de conversa entre mídia-ativista e repórter, e alguns mal-entendidos sobre a ocupação puderam ser minimamente esclarecidos. Na matéria online e no jornal impresso do dia seguinte, estavam presentes as denúncias das ativistas sobre a agressividade dos PMs, mas ninguém foi taxado de black bloc nem vândalo. 

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